Pornografia infantil e internacionalidade

Data do Julgamento:
29/10/2015

Data da Publicação:
06/04/2016

Tribunal ou Vara: Supremo Tribunal Federal - STF

Tipo de recurso/Ação: Recurso Extraordinário

Número do Processo (Original/CNJ): 628.624-MG

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Min. Edson Fachin

Câmara/Turma: Tribunal Pleno

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 2º, I

Ementa:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME PREVISTO NO ARTIGO 241-A DA LEI 8.069/90 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). COMPETÊNCIA. DIVULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO DE IMAGENS COM CONTEÚDO PORNOGRÁFICO ENVOLVENDO CRIANÇA OU ADOLESCENTE. CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA. DELITO COMETIDO POR MEIO DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES (INTERNET). INTERNACIONALIDADE. ARTIGO 109, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL RECONHECIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1. À luz do preconizado no art. 109, V, da CF, a competência para processamento e julgamento de crime será da Justiça Federal quando preenchidos 03 (três) requisitos essenciais e cumulativos, quais sejam, que: a) o fato esteja previsto como crime no Brasil e no estrangeiro; b) o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e c) a conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou devesse ter ocorrido no exterior, ou reciprocamente.
2. O Brasil pune a prática de divulgação e publicação de conteúdo pedófilo-pornográfico, conforme art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. Além de signatário da Convenção sobre Direitos da Criança, o Estado Brasileiro ratificou o respectivo Protocolo Facultativo. Em tais acordos internacionais se assentou a proteção à infância e se estabeleceu o compromisso de tipificação penal das condutas relacionadas à pornografia infantil.
4. Para fins de preenchimento do terceiro requisito, é necessário que, do exame entre a conduta praticada e o resultado produzido, ou que deveria ser produzido, se extraia o atributo de internacionalidade dessa relação.
5. Quando a publicação de material contendo pornografia infantojuvenil ocorre na ambiência virtual de sítios de amplo e fácil acesso a qualquer sujeito, em qualquer parte do planeta, que esteja conectado à internet, a constatação da internacionalidade se infere não apenas do fato de que a postagem se opera em cenário propício ao livre acesso, como também que, ao fazê-lo, o agente comete o delito justamente com o objetivo de atingir o maior número possível de pessoas, inclusive assumindo o risco de que indivíduos localizados no estrangeiro sejam, igualmente, destinatários do material. A potencialidade do dano não se extrai somente do resultado efetivamente produzido, mas também daquele que poderia ocorrer, conforme própria previsão constitucional.
6. Basta à configuração da competência da Justiça Federal que o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes tenha estado acessível por alguém no estrangeiro, ainda que não haja evidências de que esse acesso realmente ocorreu.
7. A extração da potencial internacionalidade do resultado advém do nível de abrangência próprio de sítios virtuais de amplo acesso, bem como da reconhecida dispersão mundial preconizada no art. 2º, I, da Lei 12.965/14, que instituiu o Marco Civil da Internet no Brasil.
8. Não se constata o caráter de internacionalidade, ainda que potencial, quando o panorama fático envolve apenas a comunicação eletrônica havida entre particulares em canal de comunicação fechado, tal como ocorre na troca de e-mails ou conversas privadas entre pessoas situadas no Brasil. Evidenciado que o conteúdo permaneceu enclausurado entre os participantes da conversa virtual, bem como que os envolvidos se conectaram por meio de computadores instalados em território nacional, não há que se cogitar na internacionalidade do resultado.
9. Tese fixada: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de computadores”.
10. Recurso extraordinário desprovido."

  • Marcelo  Crespo
    Marcelo Crespo em 09/07/2017

    O presente julgado analisa a competência para a apreciação de ações penais que envolvam crimes relacionados à pornografia infantil na Internet, em especial os contidos no Estatuto da Criança e Adolescente (lei nº 8.069/90). Para tanto, inicialmente reconheceu-se a repercussão geral do caso, que é requisito para o conhecimento de todos os recursos extraordinários (art. 102, §3º, CF/88, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004).

    O Recurso Extraordinário foi improvido, mantendo-se a competência na Justiça Federal.

    Para se chegar à conclusão de que a competência deveria ser mantida na Justiça Federal arguiu-se que seria preciso o preenchimento de três requisitos cumulativos: a) que o fato tenha previsão típica no Brasil e no estrangeiro; b) que o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir criminalmente a espécie delitiva; e c) que a conduta tenha se iniciado no país e que o resultado devesse ocorrer ou tenha ocorrido no exterior, ou reciprocamente.

    Como o Brasil pune criminalmente a prática de divulgação e publicação de conteúdo pornográfico-infantil, nos termos do art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente e, além disso, é signatário da Convenção sobre Direitos da Criança tendo ratificado o respectivo Protocolo Facultativo, estavam preenchidos os dois primeiros requisitos. Faltava, portanto, apenas o terceiro.

    Para fins de cumprimento do terceiro requisito, mencionou-se que quando a publicação acontece em páginas da Internet, com amplo e fácil acesso a qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, a verificação da internacionalidade se dá não só pelo fato de que ocorreu em ambiente de livre acesso, mas, também, que ao fazê-lo, o agente busca o atingimento de maior audiência possível, inclusive assumindo o risco de que estrangeiros sejam destinatários do material. Acrescentou-se que a potencialidade do dano não se verifica apenas pelo resultado efetivamente produzido, mas, igualmente pelo que poderia ocorrer. Justamente nesta perspectiva que se aduziu ser bastante o fato de que o material tenha estado acessível por alguém no estrangeiro, mesmo que não se possa certificar de que o acesso realmente aconteceu.

    Então, ao tratar da potencial internacionalidade é que o julgado mencionou o nível de abrangência das páginas na Internet, reconhecendo-se sua “dispersão mundial preconizada no art. 2º, I do Marco Civil da Internet no Brasil. O artigo mencionado, de fato, fala no “reconhecimento da escala mundial da rede” como um fundamento da disciplina do uso da Internet no Brasil. Isto é, inexiste um foco local de abrangência da rede, de modo que o acesso e facilidade com que se pode acessar informações de qualquer local faz com que devamos nos preocupar com leis e tratados internacionais quando analisamos condutas (ativas ou omissivas) para estabelecermos consequências a elas.

    Entendeu-se, assim, que inexistiria internacionalidade quando os fatos envolvessem apenas a comunicação entre particulares em canal fechado, como, por exemplo, em e-mails. E, como este não era o caso, manteve-se a competência da Justiça Federal no caso específico, fixando-se, adicionalmente, a seguinte tese: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de computadores”.