Monitoramento contínuo e censura prévia
Data do Julgamento:
26/01/2016
Data da Publicação:
01/02/2016
Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul - TJMS
Tipo de recurso/Ação: Apelação Cível
Número do Processo (Original/CNJ): 0816829-25.2014.8.12.0001
Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Des. Júlio Roberto Siqueira Cardoso
Câmara/Turma: 5ª Câmara Cível
Artigos do MCI mencionados:
Artigo 19
Ementa:
"APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – CONFIRMAÇÃO DE TUTELA ANTECIPADA NA SENTENÇA – IMPOSSIBILIDADE – MOTIVOS DO PEDIDO QUE NÃO MAIS SUBSISTEM – PERDA DE OBJETO PELA AUSÊNCIA DE INTERESSE SUPERVENIENTE – MONITORAMENTO CONTÍNUO DE REINSERÇÃO DE TEXTOS NA PÁGINA DO FACEBOOK – INVIABILIDADE – CONFIGURAÇÃO DE CENSURA PRÉVIA – AFRONTA AO ARTIGO 5°, INCISO IV DA CF – NECESSIDADE DE INDICAÇÃO EXATA DA LOCALIZAÇÃO E DO CONTEÚDO QUE SE PRETENDE COIBIR A PUBLICIDADE – ARTIGO 19 DA LEI N°12.965/14 (MARCO CIVIL DA INTERNET) – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO."
Trata-se de ação proposta em Campo Grande e julgada pelo Tribunal do Estado do Mato Grosso do Sul. Sem nos ater a questão processual da perda do objeto da ação, o Egrégio Tribunal do Estado não deixou de discorrer acertadamente sobre a aplicação não apenas do Marco Civil da Internet, mas a fundamentou no maior diploma legal que existe: nossa Constituição e o direito à liberdade de expressão, garantido no art. 5, IV.
A liberdade de expressão e o livre pensamento é concretizado diariamente nas mais diversas formas: de maneira singela e discreta, na solidão de pensamentos, divagações ou em multidões. Pode, ainda, nascer solitária, mas ser de grande abrangência: como um escritor que publica um livro em alta tiragem, ou qualquer um de nós ao emitir um pensamento neste universo da Internet, perdendo o controle sobre o que foi dito, neste ambiente de alcance quase que ilimitado.
Acertadamente reconheceu o Tribunal a impossibilidade técnica e fática de exercer um controle prévio do conteúdo postado na “Rede”. Qualquer ferramenta neste sentido seria ineficaz e passível de erros e, afinal, “rolezinho” – palavra em questão que hoje designada para encontros de jovens em centros comerciais, para alguns “dinossauros” nada mais que é dar um pequeno passeio. Inexistindo qualquer conduta lesiva ou ilegal um dar “rolé” para um namorico ou qualquer outra coisa.
O art. 19 do Marco Civil vem apenas assegurar aquilo que a todos já lhe é direito: a liberdade de expressão. Neste sentido, apenas e tão somente, o judiciário poderá determinar a exclusão de conteúdo, de forma específica, ou seja, apontando a URL com o conteúdo a ser removido. Não cabe às aplicações de Internet, em especial, as que cedem espaço para que terceiros postem conteúdos o dever de fiscalização e de julgamento sobre a legalidade do conteúdo. Entretanto, não estão impedidas de exercer remoções, por esponte própria ou após receber denúncias, de conteúdo manifestamente ilegal ou ainda contrário a seus termos e condições de uso.
Sobre o tema: importante sempre refletir em que tipo de sociedade queremos viver, uma sociedade livre, aberta a mudanças e opiniões, ou nossa escolha é por um ambiente controlado, altamente regrado sobre a desculpa de um bem maior? Temos a sorte, que outros cidadãos não possuem, de viver em um ambiente democrático, de livres ideias e pensamentos. O mesmo não ocorre em outros lugares do mundo, eventos como a primavera árabe quase poderiam não ter acontecido diante de governos autoritários que tentar impor, sob a desculpa de um bem maior, um ambiente controlado.
Todas essas questões e reflexões foram levadas em consideração no extenso, mas necessário, período de discussões do Marco Civil da Internet, o próprio art. 19 inicia seu caput enfatizando: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura” (...). Resta claro que o legislador pretendeu garantir no ambiente da Internet sua natureza, que como muito bem definiu Omar Kaminski ao dizer que a natureza da Internet é a liberdade: “Muito se discute se a Internet teria uma natureza. Caso se entenda que sim, sua natureza é a liberdade”.
Por fim, o Marco Civil da Internet, em seu disposto no art. 19, apenas assegura aquilo que já nos era direito desde o nascimento: a liberdade de expressão e a repressão a censura prévia. Não deixa, entretanto, de estipular procedimento para retirada de conteúdo, quando apontada por órgão jurisdicional com atribuição para julgar, pois somente ele, o Judiciário, poderá afirmar veementemente sobre a ilegalidade ou não de certo conteúdo, garantindo o contraditório. Acerta, ainda, o Marco Civil ao exigir a indicação expressa do conteúdo, afinal, uma medida genérica colocaria novamente nas mãos das aplicações o dever de inferir qual conteúdo a decisão compreende ou não. Dever e poder que não deve ser delegado, sob pena de perdermos um bem maior, a liberdade.
Nos brinda o Tribunal de Mato Grosso com sua decisão acertada sobre uma legislação tão nova e ainda tão pouco aplicada, mas que nos remete a um direito que nos é assegurado por nossa Carta Maior.