Marco Civil e Código de Defesa do Consumidor
Data do Julgamento:
23/06/2015
Data da Publicação:
16/07/2015
Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP
Tipo de recurso/Ação: Apelação Cível com Revisão
Número do Processo (Original/CNJ): 1081911-23.2014.8.26.0100
Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Des. Piva Rodrigues
Câmara/Turma: 9ª Câmara de Direito Privado
Artigos do MCI mencionados:
Artigo 11, caput e §§ 1° e 2° e artigo 19
Ementa:
"Responsabilidade civil. Pedidos cominatório e indenizatório. Sentença de parcial procedência. Inconformismo das partes. Manutenção da sentença por seus próprios fundamentos (art. 252 RITJSP). Ausente responsabilidade civil do réu, aplicação do art. 19 do MCI. Aplicação conjunta do CDC e MCI. Não verificada a alegada inconstitucionalidade do mencionado artigo. Obrigação de fazer persiste. Aplicação do artigo 11 do MCI. Recursos desprovidos."
Decidiu o Tribunal de Justiça paulista recurso de apelação interposto em face de sentença que havia determinado a exclusão de conteúdo ofensivo e fornecesse dados cadastrais de titular de um blog hospedado em país estrangeiro.
O acórdão reconheceu serem aplicáveis a esta relação “leitor x blog estrangeiro” os preceitos da Lei 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, eis que considerou que o autor da ação seria elevado ao status de consumidor por equiparação.
Este é o primeiro tema polêmico que gostaria de comentar, conquanto ainda que todas as vítimas do acidente de consumo possam ser equiparadas ao consumidor para fins de aplicação das normas protetivas previstas na Lei 8.078/90, dentre eles a responsabilidade objetiva e a solidariedade, é preciso estabelecer um debate um pouco mais abrangente sobre as figuras do fornecedor (artigo 3º) e consumidor (artigo 2º).
O consumidor por equiparação é a vítima do acidente de consumo, ainda que não houvesse adquirido diretamente o produto ou serviço. Mas em qualquer hipótese, tem-se uma relação de consumo subjacente que precisa ser configurada.
Tenho bastante dificuldade de identificar que um blog informativo, qualquer que seja ele, constitua atividade de “produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, importação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”, nomenclaturas utilizadas pelo Código de Defesa do Consumidor para caracterizar o fornecedor. Veja que é irrelevante, em um primeiro momento, a onerosidade do serviço, especialmente porque modelos de negócio baseados na internet geralmente adotam formas de remuneração indireta.
Ainda assim, para se reclamar a aplicação da Lei 8.078/90 a relações similares, seria necessário abranger a prestação de serviços de informação ou de opinião a leitores, único raciocínio extensivo que se poderia legitimar o silogismo.
Outro tema bastante polêmico é a alegada inconstitucionalidade do artigo 19 da Lei 12.965/14, Marco Civil da Internet por se tratar de um embate de princípios constitucionais, quais sejam, o da proteção ao consumidor e ao da liberdade de pensamento e liberdade de expressão.
Foram muitos os debates acerca da natureza da responsabilização civil que seria adotado pelo Marco Civil da Internet, se solidária, subsidiária ou inexistente. Concluiu com acerto, o legislador, que não se poderia falar em responsabilidade solidária do intermediário, qual seja, o provedor de aplicações, simplesmente com base em uma obrigação de não-fazer oriunda de notificação extrajudicial.
Nesse ponto, a legislação brasileira difere-se da estadunidense, em cuja Digital Millenium Copyright Act - DMCA, estabelece-se que este mesmo intermediário se responsabiliza solidariamente por todos os danos causados a terceiros caso não obedeça ao pedido de exclusão sumária do conteúdo veiculado em notificação extrajudicial. Ressalvo apenas que a lei estrangeira trata dos danos causados pela violação de direitos intelectuais.
O grande desafio enfrentado neste ponto, foi compreender que o particular não tem competência constitucional para o exercício de poder de polícia, tampouco para prestar tutela jurisdicional e concluir o que constitui ofensa (para fins de exclusão sumária) e o que não constitui (para fins de prevalência do conteúdo). O resultado de tal mecanismo é uma prática sistematizada de exclusão de todo e qualquer conteúdo para evitar a solidariedade, isto é, um total desprestígio à liberdade de pensamento, expressão e informação.
Ocorre que este dispositivo, cuja diretriz concordo totalmente, tem sido mal interpretado para se vedar a responsabilidade civil do provedor de aplicações em toda e qualquer circunstância, ao argumento de que somente poderia ser responsabilizado pelo descumprimento de ordem judicial específica determinando-lhe a exclusão de conteúdo.
Neste aspecto, é preciso compreender que os particulares tem uma outra relação jurídica, esta de natureza eminentemente contratual que geralmente é regida por Termos de Uso, Política de Privacidade e outros contratos atípicos gerados pelos provedores de aplicação.
Em todos estes contratos de provedores de aplicação estrangeiros, especialmente pela necessidade de se observar a legislação estadunidense, existem regras que comportam responsabilidade pela exclusão de conteúdo mediante notificação extrajudicial, regras estas que em muitos casos são traduzidas para o português.
Assim, chamo a atenção para o fato de que a responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar pode se caracterizar pelo inadimplemento de obrigação contratual e não apenas pela tentativa isolada e autônoma de se responsabilizar o provedor de aplicações pelo conteúdo que seus usuários veiculam na internet.
Mas não se pode confundir este assunto com a propagada jurisprudência que reconhece indenização por dano moral pelo simples inadimplemento contratual. Efetivamente, não é o caso.
Dispondo-se à eliminação de conteúdo mediante denúncia privada em seus sistemas, o provedor de aplicações chama voluntariamente para si a responsabilidade de decidir aquilo que constitui ofensa a terceiros e aquilo que representa mero exercício da liberdade de expressão, informação e pensamento, tarefa dificílima sem o exercício pleno do contraditório.
Desta forma, o contraponto que gostaria de registrar é que ao deixar de atender a tal medida que, posteriormente se revelará legítima, o provedor de aplicações torna-se solidariamente responsável pela reparação de danos juntamente com o causador original exatamente porque sua omissão concorreu para a divulgação ou potencialização da propagação do dano à imagem, honra ou a qualquer outro direito de personalidade.