Remoção e bloqueio de site sediado no exterior
Data do Julgamento:
30/07/2015
Data da Publicação:
30/07/2015
Tribunal ou Vara: 1ª Vara Federal - Natal - RN
Tipo de recurso/Ação: Cautelar Inominada
Número do Processo (Original/CNJ): 0805175-58.2015.4.05.8400
Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Juiz Federal Magnus Delgado
Câmara/Turma: -
Artigos do MCI mencionados:
Artigo 3º, I, II e III; artigo 7º, I e VII; artigo 10, § 1º e artigo 11 § 2º.
Ementa:
"Cuida-se de ação cautelar preparatória, movida pelo Ministério Público Federal em face da empresa TOP DOCUMENTS LLC, pessoa jurídica sediada no exterior, mediante a qual requer, em caráter liminar, sem oitiva da parte contrária, que: a) seja determinado às empresas que, no Brasil, administram serviços de acesso a backbones, que neles insiram obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar, até o julgamento definitivo do processo principal, o acesso ao site "TUDO SOBRE TODOS" (http://tudosobretodos.se), em todo território nacional; b) seja determinado às empresas que, no Brasil, administram Serviço Móvel Pessoal e Serviço Telefônico Fixo Comutado, para que neles insiram obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar até o julgamento definitivo do processo principal, o acesso ao site "TUDO SOBRE TODOS" (http://tudosobretodos.se), em todo território nacional; c) que seja solicitado ao Reino da Suécia, via Departamento de Recuperação de Ativos/Secretaria Nacional de Justiça/Ministério da Justiça do Brasil, a retirada provisória da internet do aludido site, hospedado no toplevel domain (TLD) desse país, bem como que informe a este Juízo os dados completos das pessoas físicas que o criaram e que o mantêm, inclusive números de IP, logs de acesso e endereços de e-mail."
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A íntegra da inicial foi disponibilizada pela Procuradoria da República no Rio Grande do Norte neste link.
Alguns se surpreenderam ao descobrir que um sítio na internet vendia dados pessoais de brasileiros.
A partir do nome podia-se encontrar não apenas CPF e endereço, mas também data de nascimento, parentes, vizinhos, empresas, endereços alternativos e redes sociais de que participa. E o tal sítio alega que tudo o que mostra foi obtido na internet aberta.
Claro que nossa privacidade está em constante risco na rede e que devemos ser cautelosos e cuidadosos no que informamos e para quem. Por outro, há alguns anos nossa informação de endereço esteve disponível via “listas brancas”, as conhecidas listas telefônicas.
Listas telefônicas digitalizadas e reprocessadas podem indicar nossos vizinhos de endereço. Saber se estamos ou não em redes sociais também é quase imediato, especialmente com o enorme poder da computação de hoje associado a técnicas de garimpagem e associação de dados como o big data.
A conclusão a encarar é que muitas informações nossas já estão vastamente disponíveis na rede, mesmo as dos que não estão conectados. Isso não justifica, entretanto, que seja aceitável agrupá-las e vendê-las. Quem estaria interessado em comprar nossos dados? E com que finalidade? É bem fácil montar um cenário assustador: e se, também, nossos horários de saída e chegada, o trajeto que fazemos todos os dias, o colégio em que nossos filhos estudam e outras “miudezas” estiverem à disposição de todos?
Mais alguns detalhes interessantes sobre o tal sítio: ele não é obra de amadores. Tem o nome de domínio registrado sob o código da Suécia (.se), tem sede nas Seicheles e alega usar servidores franceses. Aceita apenas pagamentos em moedas virtuais (bitcoin) e usa CloudFlare (um CDN – Content Distribution Network) para proteger-se de ataques de negação de serviço e melhorar sua eficiência na entrega dos dados. Ah, também a identidade do registrante do domínio está oculta por um “procurador” de registro (“proxy”).
Quando se constatou o caso, uma liminar judicial solicitou que um “bloqueio técnico” fosse implementado. Lembra-nos algumas histórias passadas. Se o bloqueio filtra um determinado endereço IP, é bem provável que outros usuários inocentes do mesmo endereço possam acabar indevidamente bloqueados.
Aconteceu no caso Ciccarelli, quando o IP bloqueado era o do youtube.com. Neste caso, por ser um IP ligado a um provedor de CDN, potencialmente centenas de sítios podem estar afetados. Se o bloqueio é do nome de domínio, via DNS, a missão de fazer com que todos os DNS acessíveis não traduzam aquele nome é hercúlea; na prática, impossível. Em ambos os casos há formas de contornar o bloqueio: em resumo, é difícil torná-lo uma medida efetiva.
E, mais complexo ainda, a que se visa com o bloqueio? Se a ideia é impedir o acesso a partir do Brasil, que alívio estamos dando aos donos dos dados? Estaremos dizendo que, graças às medidas tomadas, nós brasileiros agora não podemos mais aceder ao sítio problemático. O resto do mundo continua podendo! Perder “acesso ao problema”, não o resolve. É o que crianças fazem quando fecham os olhos para ignorar um monstro real ou imaginário.
(Publicado originalmente em 9 de agosto de 2015, no blog "Por Dentro da Rede", no Estadão)