Provedor de conteúdo e contrafação autoral

Data do Julgamento:
03/09/2014

Data da Publicação:
08/09/2014

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ

Tipo de recurso/Ação: Apelação Cível

Número do Processo (Original/CNJ): 0089941-75.2008.8.19.0001

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Desª. Teresa de Andrade Castro Neves

Câmara/Turma: 6ª Câmara Cível

Ementa:

"APELAÇÃO. SUMÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PROVEDOR DE CONTEÚDO DE INTERNET. DIREITO AUTORAL. CONTRAFAÇÃO. VÍDEO-AULAS DE CURSO DE ENSINO JURÍDICO. DANO MATERIAL E MORAL. 1. Réu que oferece serviços de internet de hospedagem, permitindo que usuários os utilizem como ferramenta para a criação e manutenção de homepages próprias. A Autora aduz que, não obstante tenha dado ciência acerca da utilização dos serviços para a prática de ato ilícito, consubstanciada na comercialização desautorizada de vídeo-aulas por ela produzidas, o provedor manteve-se inerte. Sentença que apenas confirmou a tutela antecipada, retirando a homepage do ar. Pretensão recursal da Autora de ver reparados os danos. 2. Agravo retido. Desprovimento. 2.1 Ilegitimidade ativa rejeitada. Autora que, além de ser cessionária dos direitos sobre a imagem dos professores que formam o corpo docente, produz as vídeo-aulas. 2.2. Ilegitimidade passiva afastada. Segundo a jurisprudência, embora não tenha o dever de fiscalização prévia, o provedor de conteúdo que, ciente da ilegalidade, não retira do ar a página virtual, responde solidariamente por danos causados pelo infrator, por culpa in omittendo, caso não incidam as regras do CDC. Inaplicabilidade do art. 927, parágrafo único, do CC/02 e da responsabilidade objetiva a que se refere. Precedentes do STJ. Ademais, o art. 104 da Lei nº 9.610/98 prevê a responsabilidade de quem perpetue a ilegalidade. 3. Não incidência das regras previstas na Lei nº 12.965/14 (Marco Civil da Internet), em respeito ao ato jurídico perfeito, reputado como aquele já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que este foi praticado. Princípio tempus regit actum, estampado no art. 6º da LINDB, que deve ser observado. 4. Sentença que, embora tenha reconhecido a responsabilidade do Réu, deixou de condená-lo a reparar os danos. A Lei nº 9.610/98 disciplina a proteção relativa aos direitos sobre a produção intelectual do autor. Seja qual for o modo de manifestação intelectual, afora os que são fruto de atividade intelectual de caráter abstrato e genérico (art. 8º), são assegurados tanto direitos morais quanto os direitos patrimoniais ao autor sobre a exploração da obra criada, a teor do art. 22 da LDA. Obras da Autora que são passíveis de proteção, conforme art. 7º da LDA. 5. Contrafação que se caracteriza pela usurpação dos direitos do autor de obra de qualquer espécie, seja no campo literário, científico ou artístico, podendo-se falar em contrafação de obra escrita falada, televisada, contida em suportes físicos dos mais diversos, como livro, disco, DVD, CD, pen drive, site de internet etc. 6. Prática devidamente comprovada nos autos, inclusive mediante ata notarial. A veiculação do material fraudado é fisicamente imensurável, especialmente quando praticada no meio virtual, em que as mídias utilizadas permitem a duplicação constante da obra. Circunstâncias que fazem com que o dano, ainda que material e palpável, tenha um caráter difuso e incapaz de ser valorado precisamente. 7. Particularidade que foi levada em consideração pela LDA. Na impossibilidade de determinar esse número, o parágrafo único do art. 103 da LDA confere como parâmetro para a fixação do dano o montante equivalente a três mil exemplares fraudados. Eram oferecidos 06 CDs a R$ 10,00 cada. Indenização de R$ 18.000,00. 8. Danos morais. Inocorrência. Não obstante a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer danos morais, a teor da súmula nº 227 do STJ, entendo que não houve danos à honra objetiva. 9. Reforma da sentença, apenas para condenar o Réu ao pagamento dos danos materiais. 10. Parcial provimento do recurso."

  • Marcos  Wachowicz
    Marcos Wachowicz em 01/06/2015

    Aqui está uma das questões mais importantes o Direito da Propriedade Intelectual, qual seja: a sua regulação na Internet no que toca à responsabilidade pelo uso e compartilhamento de dos bens intelectuais.

    Tudo faz parte do cotidiano dos usuários da Internet, mas para que isso ocorra, é necessária a participação de vários intermediários, são estes denominados de provedores de serviços, os quais são fundamentais para o desenvolvimento da economia digital por facilitar os novos negócios que surgem a todo momento.

    A questão central de tormentosa solução: saber quando e até que ponto os prestadores de serviços podem ou devam ser responsabilizados por atos ilícitos praticados por terceiros na Internet?

    O primeiro passo para desvendar a questão é perceber que os Direitos Intelectuais estão protegidos igualmente e sem distinção, no meio analógico ou no meio digital pelo mesmo marco regulatório: a Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial), a Lei nº 9.609/98 (Lei do Software) e a Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais).

    Neste sentido, a Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, estruturou a proteção aos bens imateriais de titularidade dos empresários, por meio de medidas para coibir a contrafação de marcas, bem como, de procedimentos quando da violação de direitos industriais para garantir o direito de exploração exclusiva pelo seu titular, protegendo os bens imateriais dos empresários por meio de procedimentos administrativos e judiciais para evitar eventuais violações.

    Do mesmo modo, a Lei de Software e a Lei de Direitos Autorais, estruturam a proteção aos bens imateriais com base no devido processo legal.

    Ocorre que antes do Marco Civil da Internet almejava-se responsabilizar por eventuais violações ou contrafações de direitos intelectuais por conteúdos postados por terceiros, sem que houvesse o devido processo legal. Com isso, inadvertidamente utilizava-se uma mera notificação extrajudicial para os responsabilizar.

    Com a nova regulamentação dada pela Lei nº 12.965/14, a remoção de conteúdo na Internet só ocorrerá nos casos em que o servidor não retirar o conteúdo após ordem judicial, o que gera uma maior segurança jurídica.

    O Marco Civil da Internet afastou o procedimento chamado notice and takedown, trata-se de instrumento alienígena ao nosso ordenamento jurídico, que consistia na indisponibilização de conteúdo após mera notificação do suposto ofendido que buscava a tutela e proteção de seus bens intelectuais.

    Com efeito, não se pode pretender criar exclusivamente para o meio digital um procedimento de proteção de direito propriedade intelectual que seja distinta daquelas que são dadas às mesmas relações comerciais que são mantidas fora dela com ou sem finalidade econômica.

    Criar um mecanismo de notice and takedown, isto é, notificação e retirada, apenas para o sistema de conteúdos online gera uma incongruência no sistema jurídico, visto que os direitos autorais teriam uma maior proteção online do que fora da rede.

    Vale dizer que, para um outdoor colocado em uma rua pública, que viola os direitos autorais de outrem, será necessária uma decisão judicial para retirá-lo, enquanto que para um site ou uma página na Internet, uma simples notificação seria o suficiente. Ora, a mesma violação pode ocorrer dentro do estabelecimento comercial na qual se apresentem ofertas, buscando realização de negócios.

    Não se pode esquecer que foram amplos debates sobre o artigo 20 do Marco Civil da Internet, no tocante a seara dos Direitos Intelectuais, a responsabilização de provedores no caso de compartilhamento peer-to-peer (P2P) sob a forma notice and takedown foi analisada e retirada após os debates do Marco Civil da Internet ocorridos em 2010.

    O Marco Civil da Internet não tratou especificamente sobre a tutela dos bens intelectuais, mas afastou a aplicação da forma notice and takedown nos procedimentos que versem a responsabilidade por violações de conteúdos protegidos pelos Direitos da Propriedade Intelectual nas relações estabelecidas na Internet.