Figura política e fotomontagem "meme"
Data do Julgamento:
15/04/2016
Data da Publicação:
26/04/2016
Tribunal ou Vara: 1ª Vara Cível - Assis - SP
Tipo de recurso/Ação: Ação de indenização por danos morais
Número do Processo (Original/CNJ): 1009300-03.2015.8.26.0047
Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Juíza Mônica Tucunduva Spera Manfio
Câmara/Turma: -
Ementa:
"ARLINDO ALVES DE SOUSA ajuizou ação de indenização por danos morais em face de RODOLFO MACHADO AFIF. Alegou que o requerido ficou descontente com sua posição política adotada na condição de vereador de Assis, e postou na mídia uma fotomontagem de pizza, com seu rosto estampado numa das fatias, segurando um título de crédito no valor de R$ 50.000,00; e que a ofensa partiu do celular do requerido, espalhando-se para achincalhar a imagem de quem com ele não concordou. Pediu a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos morais no valor de dez salários mínimos (fls. 01/08), juntando os documentos de fls. 09/26)(...)."
É certo que ao menos em relação à liberdade de expressão na Internet, o período anterior à Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet, ou “MCI”) implicava num ambiente regulatório nocivo, na medida em que ainda era usual a aplicação de uma concepção absoluta de proteção à imagem individual frente às manifestações expressivas de terceiros, numa leitura no mínimo questionável dos artigos 20 e 21 do Código Civil de 2002:
Mesmo com precedentes judiciais notoriamente favoráveis à liberdade de expressão (como a ADI 4815 – “Biografias” e a ADPF 130 – “Lei de Imprensa”), com manifestações claras dos ministros do STF em prol de uma concepção preferencial da liberdade de expressão, e ainda a despeito de sua enorme valorização pela Constituição de 1988 (que garante seu exercício independentemente de censura ou licença), a expressão não tem sido tão livre na prática, com um lamentável histórico de nítida desvalorização. Neste contexto, é natural que com as expressões manifestadas via Internet não haveria de ser diferente. Lamenta-se constatar que, ainda hoje, o número de casos concretos submetidos ao Judiciário em que a liberdade de expressão na Internet foi afastada sem maiores considerações, em nome de uma proteção à honra ou à imagem individual, é enorme.
Em parte decorrente desse panorama de baixa concretização jurisdicional, não são poucos os dispositivos do Marco Civil da Internet que são dedicados à demonstração da importância da liberdade de expressão para a Rede. O direito de livremente se expressar é citado já no caput do artigo 2º, que enuncia os fundamentos da disciplina do uso da Internet no Brasil. A expressão livre também é prestigiada como princípio da disciplina do uso da Internet (artigo 3º, I) e, indiretamente, nos objetivos da regulação da Internet, dentre os quais se encontra a promoção “do acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos” (artigo 4º, II). Também no artigo 8º é estabelecido que “A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet”.
Ademais, cabe registrar que como a Internet é um meio de viabilizar a expressão humana, todas as regras que visem a sua manutenção enquanto rede estável e aberta tendem a ser vistas também como forma de expandir a capacidade de manifestação expressiva dos indivíduos. Como tal, serão regras que, indiretamente, protegerão a liberdade de expressão. Assim ocorre, por exemplo, com as normas que visam resguardar a neutralidade de rede (art. 9º), com os mandamentos de proteção aos registros, aos dados pessoais e às comunicações privadas (arts. 10 a 12), das regras de guarda de registros de conexão (art. 13) ou de acesso a aplicações (art. 14), dentre tantas outras ali estabelecidas.
Esse conjunto normativo foi moldado com a nítida intenção de reiterar o quanto já disposto na Constituição, no sentido de que a liberdade de expressão não pode ser tratada como um direito qualquer, nem ser relativizada sob qualquer argumento. É natural que, devido a seus méritos democráticos, colisões que envolvam a livre expressão sejam em regra solucionadas em prol dessa posição, a não ser que demonstrado de forma robusta e com séria argumentação de que há razões importantíssimas que justificam suas restrição.
Quando trazemos à tona a questão da “pessoa de relevância pública”, a livre expressão deve ganhar ainda mais força. A despeito da potencial equivocidade no uso de tal denominação, sem um critério absoluto para sua delimitação, é certo que agentes públicos de alta relevância (como magistrados, membros do Ministério Público, parlamentares, chefes do Executivo, secretários, ministros, dentre outros) devem usufruir de uma proteção à imagem mais rarefeita do que aquela conferida aos cidadãos que não exercem tais funções. Assim se dá porque o princípio republicano, plasmado no artigo 1º da Constituição, consagra - dentre outras consequências - a necessidade de prestação de contas (accountability) de todos os gestores da coisa pública, concretizando-se tal dever com maior intensidade na medida em que o gestor ocupe posição de maior destaque.
Ao dever republicano de prestar contas contrapõe-se o direito de fiscalização, inerente a qualquer brasileiro, que tem à sua disposição inúmeros mecanismos para sua concretização – sendo o direito de acesso à informação uma de suas principais vertentes, acompanhada da livre expressão de crítica a ser manifestada, em caráter artístico ou profissional, independentemente de licença ou demais obstáculos que possam ser pensados pelo ocupante do cargo público de ocasião.
Assim, quando manifestada em face de agentes incumbidos da administração do patrimônio público (que a todos pertence, em caráter difuso) a liberdade de expressão assume nítido caráter de concretização do princípio republicano, o que consiste em mais um robusto elemento valorativo a ser levado em consideração quando da solução de colisões de direitos fundamentais, impedindo sua relativização casuística, seja mediante remoções de conteúdo, seja mediante atribuição de reparações patrimoniais com nítida finalidade intimidatória (chilling effects).
Por isso, quando presente o caráter de crítica ao agente público ou político, a esfera de proteção do citado ocupante da posição pública deve em regra ceder frente ao direito de crítica, que fortalece o sentido de responsabilidade incidente sobre os gestores que, em última ratio, devem habitualmente prestar contas à sociedade. Trata-se de conclusão inescapável da interpretação conjunta do texto Constitucional e das regras do Marco Civil da Internet que tratam a expressão com a dignidade e a liberdade que merecemos.