Remoção de imagens do serviço Whatsapp

Data do Julgamento:
07/04/2015

Data da Publicação:
30/04/2015

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG

Tipo de recurso/Ação: Agravo de Instrumento

Número do Processo (Original/CNJ): 0560803-64.2014.8.13.0000

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Des. Amorim Siqueira

Câmara/Turma: 9ª Câmara Cível

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 13

Ementa:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - LIMINAR - RETIRADA DE IMAGEM DO BANCO DE DADOS DO SERVIÇO WHATSAPP - REQUISITOS - PRESENÇA - POSSIBILIDADE - RECURSO DESPROVIDO.
Para o deferimento do pedido de liminar devem estar presentes os requisitos fumus boni iuris e periculum in mora, de modo que se caracterize a plausibilidade aparente da pretensão aviada e o perigo fundado de dano, antes do provimento final. Restando evidenciado nos autos a plausibilidade do direito invocado, notadamente diante da violação de direito de personalidade, bem como o perigo da demora, é de se manter o deferimento do pedido liminar para retirada de imagens íntimas do banco de dados do serviço Whatsapp. Recurso desprovido."

  • Guilherme Damasio Goulart
    Guilherme Damasio Goulart em 06/11/2015

    A decisão comentada (Agravo de Instrumento) envolveu julgamento de pedido liminar visando a retirada de imagem do banco de dados do aplicativo Whatsapp. A defesa traz argumentos no sentido de que o Facebook não possui qualquer ingerência sobre o aplicativo Whatsapp. A prática judiciária, igualmente, tem demonstrando a repetição deste argumento. Este próprio comentador, em respostas de notificações enviadas ao Facebook, já recebeu argumentos semelhantes, na linha de que o Facebook não tem “condições ou poderes para acessar informações ou de qualquer outra forma interferir no aplicativo Whatsapp”.

    Existem diversos casos em que é tratada a necessidade de se acionar controladora estrangeira em demandas envolvendo provedores de aplicações. A linha de defesa é célebre, tendo já sido usada, entre outras empresas, pelo Yahoo (cf. REsp. 1021987/RN). É possível citar também o conhecido caso Panasonic, em que a empresa nacional foi obrigada a cumprir garantia de produto comprado no exterior (REsp 63.981/SP).

    Neste ponto, o julgado contou com voto divergente na linha de que não há qualquer informação sobre a aquisição do Whatsapp pelo Facebook. Em que pese a dúvida sobre a referida aquisição, é necessário indicar que a própria página do Whatsapp indica sua aquisição pelo Facebook em fevereiro de 2014.

    É preciso apontar que o próprio site do Facebook, ao enumerar as empresas que possui e opera, cita, entre outras, o Whatsapp. Parece elucidativa a menção expressa ao fato de que o Facebook pode compartilhar as informações pessoais dos usuários entre essas companhias para facilitar, integrar e melhorar os serviços. De forma geral, se o Facebook afirma que pode compartilhar dados entre as empresas, deve ele também responder pelos ilícitos ocorridos em tais relações, já que se beneficia de tal compartilhamento. Se a empresa se beneficia do compartilhamento de dados, não pode ela, sob pena de violar o princípio da boa-fé objetiva, tentar afastar as eventuais conseqüências de tais benefícios.

    É necessário salientar que a natureza técnica dos serviços (Facebook e Whatsapp) deve ser considerada em qualquer decisão que trate sobre o controle de conteúdo em provedores de aplicações. O Whatsapp, por exemplo, efetua, dependendo da configuração, o armazenamento automático de imagens e vídeos nos smartphones. Assim, uma eventual demanda que vise a retirada de conteúdo do Whatsapp deve ser vista com cuidado, pois, de forma alguma, poderia retirar ou atingir os conteúdos já armazenados nos telefones móveis. Além do mais, se assim o fizesse, estaria a violar o próprio Marco Civil da Internet (MCI) em seu art. 7º, III - o direito à inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial. 

    Na verdade, uma pretensão genérica de se retirar fotos do banco de dados do serviço Whatsapp é por demais imprecisa. Em tais casos, talvez seja mais adequada uma medida que vise o impedimento de novos envios da imagem em questão (com a ressalva de eventual impossibilidade técnica da medida). É sabido que é possível identificar um arquivo de forma única por meio de diversas técnicas - entre elas o hash. Assim, esta pretensão poderia estar amparada, inclusive, na indicação – pelo autor - do hash dos arquivos ilícitos. Ocorre que mesmo que tal medida seja tecnicamente viável, ela pode ser contornada por meio de qualquer alteração na imagem, o que alteraria também o hash da imagem, impedido o funcionamento de um possível filtro colocado pelo aplicativo.

    Há, também, um grande risco de que uma medida de controle imprecisa e ampla demais venha a promover o chamado "falso-positivo", situação em que o filtro amplo demais bloqueia outras informações que não as ilícitas. Uma eventual solução por meio de medida envolvendo o reconhecimento facial poderia, também, vir a bloquear não apenas o conteúdo ilícito em questão, mas também outras imagens em que o rosto da pessoa em causa aparece. Tal situação – filtro via reconhecimento facial - seria um caso de ingerência ampla e imprecisa na liberdade de expressão e comunicação de todos que utilizam o aplicativo. Além do mais, desconhece-se situação onde uma medida judicial determinou tal possibilidade. Tudo isso demonstra que o controle de imagens e vídeos é mais difícil de ser realizado do que o controle de discurso escrito.

    Destaque-se, também, que o Whatsapp não que "cria" as mensagens. Quem o faz são os próprios usuários. Ele serve como um meio para as pessoas enviarem conteúdos umas para as outras. As pessoas não acessam uma foto ou vídeo no Whatsapp da mesma forma que acessam um site. Essa diferença faz com que seja possível apagar uma imagem de um site (impedindo futuros acessos a um conteúdo), mas o mesmo não possa ser feito no Whatsapp.

    É possível defender, desta maneira, que pode ser uma obrigação impossível a retirada das fotos do banco de dados do Whatsapp. O Whatsapp, como um software que é, possui - ou pode possuir - funcionalidades bastante amplas; entre elas, funcionalidades de filtragem de conteúdo. Pode haver um debate jurídico sobre a legalidade ou não de bloqueios técnicos antecipados no que tange à liberdade de expressão. Todavia, o que não parece haver, é a absoluta impossibilidade técnica de filtrar conteúdo nesta plataforma. Fosse assim, nenhuma empresa conseguiria efetuar controles de instant messengers, e-mails e conteúdo de Internet de seus funcionários.

    O Whatsapp não é um meio de transmissão neutro, mas um provedor de aplicações. Sabe-se que a conexão não é feita diretamente entre os celulares, mas antes passa pelos servidores do Whatsapp. Tanto é assim que é necessário fazer um cadastro para informar o número de telefone. Ele é um meio que envia mensagens, mas não se trata de um meio absolutamente neutro, como se fosse um provedor de conexão.

    Destaque-se que eventuais violações aos termos de serviço do aplicativo podem levar ao banimento do usuário da plataforma, o que indica que há um controle central de todo o serviço (cf. https://www.whatsapp.com/faq/pt_br/general/23154266 e http://www.whatsapp.com/legal/#TOS). É importante notar - acerca dos eventuais controles possíveis - que o próprio Whatsapp afirma que pode remover conteúdos do usuário que violem direitos autorais (WhatsApp does not permit copyright infringing activities and infringement of intellectual property rights via its Service, and WhatsApp will remove all content and Status Submissions if properly notified that such content or Status Submission infringes on another's intellectual property rights.) Nesse sentido, os próprios termos de uso do aplicativo estariam a indicar a possibilidade de algum tipo controle.

    Não se desconsidera, por outro lado, que o Whatsapp afirma em seu site que as conversas são criptografadas (o que indica que a empresa não conseguiria, em tese, ter acesso aos conteúdos, cf. https://www.whatsapp.com/faq/pt_br/general/21864047). Porém, há a necessidade de uma apuração técnica para a verificação da segurança e confiabilidade do processo criptográfico envolvido. Além do mais, sabe-se que, dependendo de como a criptografia foi realizada, ela poderia ter efeito contra qualquer observador externo, mas poderia ser "aberta" por quem possuísse as chaves que realizaram a cifragem.

    Qualquer afirmação, no sentido de que o Whatsapp não armazena conteúdos, não pode ser confirmada sem uma análise técnica em toda a infraestrutura do serviço (os próprios termos de uso da aplicação, no título "When WhatsApp Discloses Information" trazem a possibilidade do recolhimento de PII (Personally Identifiable Information) e NPOO (Non Personally Identifiable Information) se houver o pedido de uma autoridade, se necessário para o cumprimento de alguma legislação ou se for para atender ao pedido de um "government enforcement agencies").

    Por fim, embora o MCI indique, no seu artigo 18 que os provedores não podem ser responsabilizados por atos de terceiros, tal regra possui exceções. O art. 19 prevê a possibilidade de responsabilização em caso de descumprimento de ordem judicial. A responsabilidade aqui não é pelo ato de publicar um conteúdo sem autorização, mas sim pelo ato de não cumprir ordem judicial que determina a indisponibilização do conteúdo.

    A sempre alegada impossibilidade técnica da realização de uma série de medidas pelos provedores de aplicação também deve ser vista com cuidado. Sob pena de se crer apenas em um argumento de defesa, é necessária a certeza técnica de tal impossibilidade, o que só pode ser atingido via perícia técnica. O STJ já decidiu, em caso semelhante, que a impossibilidade técnica de cumprir medida em ambiente tecnológico deve ser comprovada pela empresa. Assim, “o ônus da prova cabe à empresa, seja como depositária de conhecimento especializado sobre a tecnologia que emprega, seja como detentora e beneficiária de segredos industriais aos quais não têm acesso vítimas e Ministério Público” (cf. REsp. 1.117.633/RO). Há outros casos em que defesas genéricas de impossibilidade técnica já foram rechaçadas pelos tribunais. Cita-se o conhecido caso em que o Google recusou-se a realizar interceptação telemática com o simples argumento da impossibilidade técnica pelo fato dos dados estarem no exterior (TRF4, MS 0021816-40.2010.404.0000/RS). 

    No final das contas, qualquer análise das possibilidades envolvendo o aplicativo Whatsapp esbarra também na falta de conhecimento técnico sobre as minúcias de seu funcionamento. Não há transparência sobre as possibilidades técnicas de bloqueios e controles de conteúdos do aplicativo o que acaba por comprometer qualquer decisão judicial envolvendo a ferramenta.