Vedação à obtenção de dados sem ordem judicial

Data do Julgamento:
24/04/2015

Data da Publicação:
28/04/2015

Tribunal ou Vara: Justiça Federal de São Paulo - JFSP

Tipo de recurso/Ação: Mandado de Segurança

Número do Processo (Original/CNJ): 0001972-91.2015.4.03.6100

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Juiz Federal Djalma Moreira Gomes

Câmara/Turma: 25ª Vara Federal - São Paulo - SP

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 10, § 1º e § 3º

Ementa:

"Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por TWITTER BRASIL REDE DE INFORMAÇÃO LTDA. em face do DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL, objetivando a obtenção de provimento jurisdicional que determine a anulação da requisição emanada da autoridade coatora que exigiu o fornecimento do máximo de dados possíveis, como o IP de acesso da máquina do responsável, datas de acesso, qualificação completa dos responsáveis e dados cadastrais do usuário (...).

Requer, ainda, que seja determinado à autoridade coatora que se abstenha de instaurar inquérito policial ou adotar qualquer medida contrária à impetrante, seus representantes legais, responsáveis ou empregados, em decorrência da negativa de fornecimento de tais dados sem ordem judicial. (...)"

  • - Omar Kaminski - [ Gestor do OMCI ]
    - Omar Kaminski - [ Gestor do OMCI ] em 01/07/2016

    O inteiro teor do Acórdão do TRF3 da Apelação / Reexame Necessário nº 0001972-91.2015.4.03.6100/SP, de 28/01/2016 e publicado em 01/02/2016, pode ser obtido neste link.

    A ementa do julgado é a seguinte:
     

    DIREITO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO PRATICADO POR AUTORIDADE POLICIAL. INQUÉRITO POLICIAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO CRIMINAL. SENTENÇA ANULADA. REDISTRIBUIÇÃO À VARA CRIMINAL.
    1. O mandado de segurança foi impetrado em face de Delegado de Polícia Federal que, nos autos do IPL 0153/2014-11 SR/DPF/SP, expediu o ofício 11.769, de 25/07/2014, solicitando informações, no prazo de 15 dias, sobre o responsável pelo URL, número do IP, datas de acesso e qualificação completa dos responsáveis (se possuir).
    2. Conforme possível antever pelo próprio ato apontado coator, houve solicitação de informações no interesse de inquérito policial, tendo o impetrado informado que tal procedimento investigatório criminal foi instaurado pela Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros para apurar o crime do artigo 3º da Lei 7.492/1986, conforme detalhado na narrativa.
    3. Evidencia-se, assim, que o mandado de segurança, impetrado contra ato de autoridade policial, praticado no curso e no interesse de inquérito policial instaurado para investigar eventual prática de infração penal, não poderia ser processado e julgado no Juízo Cível, inclusive porque, dentre os pedidos formulados, estava o de impedir que o impetrado, Delegado de Polícia Federal, instaurasse inquérito policial em razão da recusa da impetrante em fornecer os dados solicitados sem ordem judicial.
    4. Não obstante anulada a sentença, cabe manter os efeitos da liminar, que foi apreciada originariamente pelo Juízo Cível, em caráter cautelar, até a redistribuição do feito e reexame do pedido pelo Juízo Criminal competente, a fim de evitar o eventual perecimento do direito em discussão, solução que se adota, em consonância com orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça.
    5. Remessa oficial provida, sentença anulada para redistribuição do feito a uma das Varas Criminais, apelação prejudicada.
     

    Do Voto Complementar do desembargador federal Carlos Muta cabe destacar:
     

    "(...) Sobre o tema, cabe destacar que, conforme informa a própria autoridade policial, o ilícito criminal que justificaria a obtenção dos dados cadastrais relacionar-se-ia a "crime contra o sistema financeiro" previsto no artigo 3° da Lei 7.492/86 ("divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituição financeira"). Tal hipótese inviabilizaria o requerimento de autorização com fundamento no artigo 15 da Lei 12.850/13 e artigo 17-B da Lei 9.613/98, relacionados exclusivamente aos crimes de "organização criminosa" e de "lavagem de dinheiro".

    Mesmo que possível fosse, por hipótese, para amparar a obtenção de dados cadastrais independentemente de autorização judicial, cabe destacar o que dispõem os artigos 15 da Lei 12.850/13 e 17-B da Lei 9.613/98:

    "Art. 15. O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito."

    "Art. 17-B. A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito"

    Os citados dispositivos permitem o acesso sem autorização judicial apenas a dados cadastrais limitados à "qualificação pessoal, a filiação e o endereço". Tais disposições, ao que consta do ofício de f. 41, não parecem se identificar com a exigência da DPF à apelada, ou seja, apresentar "o máximo de dados possíveis, como o IP de acesso da máquina do responsável, datas de acesso, qualificação completa dos responsáveis".

    A par disso, não parece razoável entender, como faz a apelante, que o artigo 2°, §2°, da Lei 12.830/2013 ("durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos") constituiria norma autorizadora do procedimento policial, nos termos do artigo 10, §3°, da Lei 12.965/14.

    Com efeito, a abrangência conferida ao dispositivo pela União significaria, em verdade, conceder poderes ilimitados ao agente público, o que afrontaria o conceito de legalidade e Estado de Direito, assegurados constitucionalmente, ao ignorar que seu procedimento, baseado em norma geral, encontra limitação em norma especial.

    Tal entendimento permitiria, inclusive, a obtenção pela autoridade policial de dados sobre a movimentação bancária de investigados, independentemente de autorização judicial, em contrariedade com o entendimento jurisprudencial consolidado, já que o dispositivo geral não faz qualquer ressalva.

    Portanto, cabe destacar que a inexistência de norma autorizando a autoridade policial a requerer amplo acesso a dados cadastrais, nos moldes em que efetuado, e com as finalidades objetivadas, sem autorização judicial, enquadra a hipótese na regra geral do artigo 10, caput, da Lei 12.965/14, que dispõe que:

    "Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas".

    Desta forma, plenamente aplicável o disposto no parágrafo primeiro do citado dispositivo: "O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7°". (...)"