Divulgação de processo em segredo de justiça

Data do Julgamento:
03/11/2014

Data da Publicação:
10/11/2014

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS

Tipo de recurso/Ação: Recurso Inominado

Número do Processo (Original/CNJ): 0041056-66.2013.8.21.9000

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Juiz Ricardo Bernd

Câmara/Turma: 3ª Turma Recursal Cível

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 19 e artigo 21.

Ementa:

"RECURSO INOMINADO. PROCESSUAL CIVIL. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE DISPONIBILIZAÇÃO EM SITE DE PESQUISA DE ACESSO A INTEIRO TEOR DE DECISÃO EXARADA EM PROCESSO JUDICIAL QUE TRAMITA EM SEGREDO DE JUSTIÇA.
Provedor de pesquisa na internet não responde, em linha de princípio, pelo teor do conteúdo da informação disponibilizada por terceiro, mas somente se, instado na forma da legislação de regência (art. 19, caput, e art. 21, ambos da Lei 12.965/2014), deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilidade do conteúdo infringente, o que não é o caso dos autos, já que, antes mesmo do aforamento da presente demanda, a informação infringente fora retirada pelo terceiro que a disponibilizara, conforme expresso na petição inicial."

  • - Omar Kaminski - [ Gestor do OMCI ]
    - Omar Kaminski - [ Gestor do OMCI ] em 22/04/2015

    Aqui, temos uma das questões mais sensíveis e mais urgentes de se tratar em tempos de informatização processual, e que também guarda relação direta com o Marco Civil da Internet: o segredo de justiça.

    A Carta Magna prevê em seu artigo 5º, LX que "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".

    A regra, portanto, é a da publicidade e o sigilo, a exceção. Tal entendimento já foi consagrado pela jurisprudência, e nem poderia ser diferente:

    “o rol das hipóteses de segredo de justiça não é taxativo, sendo autorizado o segredo quando houver a necessidade de defesa da intimidade” (REsp 605687/AM, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 02/06/2005, DJ 20/06/2005, p. 273).

    Semelhante entendimento está consolidado no artigo 23 do Marco Civil da Internet:
     

    "cabe ao juiz tomar as providências necessárias à garantia do sigilo das informações recebidas e à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do usuário, podendo determinar segredo de justiça, inclusive quanto aos pedidos de guarda de registro".
     

    Há também previsão expressa no artigo 155 do CPC atualmente em vigor, que diz que correm em segredo de justiça os processos “em que o exigir o interesse público” e aqueles que digam respeito “a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores”.

    O novo CPC, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, foi além. Agora, segundo o artigo 189, além do interesse público fala-se também no interesse social. Há também expressa menção aos “dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade”, e também a questões envolvendo a arbitragem.

    Além disso, o artigo 195 do novo CPC inova ao prever que “o registro de ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que atenderão aos requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio, conservação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei.”

    Também podemos citar o artigo 11, § 6º da Lei nº 11.419/2006 e a Resolução do CNJ nº 121, de 5 de outubro de 2010, que prevê em seu artigo 2º quais dados básicos do processo são de livre acesso.

    Isto posto, podemos dizer que o processo em papel simplesmente migrou para o virtual, digital, eletrônico? Não apenas isso. Houve uma transformação gigantesca no modus operandi e procedendi, e que ainda está sendo digerida pelos operadores do Direito.

    Antes, os cartórios judiciais eram responsáveis pelos armários e estantes com processos, e só tinha acesso a determinadas informações quem acompanhava as publicações no Diário da Justiça impresso ou quem se debruçava sobre o balcão da serventia judiciária em busca de informações do processo.

    Hoje, o Diário da Justiça está online, o processo está, quiçá, na nuvem e temos uma nova dificuldade para enfrentar: em quais casos e principalmente como se lida com a questão do sigilo dos dados dos processos, ou segredo de justiça.

    A lógica mostra-se muitas vezes perversa às partes, ao tornar públicos os dados que deveriam ser mantidos privados, ato (falho) que se inicia geralmente com um despacho que venha a conter em seu corpo o nome das partes, e cuja eventual decretação de sigilo se verifique após a publicação. Ou seja, primeiro as questões de foro íntimo são publicadas, e depois é decretado o sigilo. O prejuízo não só é presumível como evidente.

    Indo mais além, o despacho acaba sendo publicado no Diário da Justiça (e hoje em dia todos os DJs têm versões online e impressas), e as edições online acabam indexadas pelos mecanismos de busca e por fim, hipoteticamente, as informações caem até nas redes sociais. E acabam sendo alvo de pedidos de "direito ao esquecimento", para dizer o mínimo.

    E em alguns (espera-se, poucos) casos notamos o indeferimento do pedido de segredo de justiça por ausência das hipóteses legais. Mas mesmo após a publicação de tal despacho, o processo permanecia restrito.

    Parece haver uma tendência ao crescimento do número de processos tramitando em segredo de justiça, invertendo a lógica da publicidade e tornando a exceção, a regra. Com isso, vemos inclusive prejudicadas questões envolvendo transparência e “accountability” do Poder Judiciário.

    Especialmente em tempos de informatização processual, a conclusão vem em forma de recomendação: há necessidade de redobrados cuidados tanto na decretação do segredo de justiça como na publicação dos despachos, para que o instituto não acabe desvirtuado, inócuo ou mesmo prejudicial às partes.