Localizador URL e validade do comando judicial
Data do Julgamento:
06/02/2018
Data da Publicação:
15/02/2018
Tribunal ou Vara: Superior Tribunal de Justiça - STJ
Tipo de recurso/Ação: Recurso Especial
Número do Processo (Original/CNJ): 0013293-38.2011.8.26.0071
Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Min. Nancy Andrighi
Câmara/Turma: 3ª Turma
Artigos do MCI mencionados:
Artigo 5º, I e VII; artigo 19, §§ 1º e 4º
Ementa:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR DE APLICAÇÃO. YOUTUBE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REMOÇÃO DE CONTEÚDO. FORNECIMENTO DE LOCALIZADOR URL DA PÁGINA OU RECURSO DA INTERNET. COMANDO JUDICIAL ESPECÍFICO. NECESSIDADE.
1. Ação ajuizada 08/04/2011. Recurso especial interposto em 06/08/2015 e atribuído a este Gabinete em 13/03/2017.
2. Necessidade de indicação clara e específica do localizador URL do conteúdo infringente para a validade de comando judicial que ordene sua remoção da internet. O fornecimento do URL é obrigação do requerente. Precedentes deste STJ.
3. A necessidade de indicação do localizador URL não é apenas uma garantia aos provedores de aplicação, como forma de reduzir eventuais questões relacionadas à liberdade de expressão, mas também é um critério seguro para verificar o cumprimento das decisões judiciais que determinar a remoção de conteúdo na internet.
4. Em hipóteses com ordens vagas e imprecisas, as discussões sobre o cumprimento de decisão judicial e quanto à aplicação de multa diária serão arrastadas sem necessidade até os Tribunais superiores.
5. A ordem que determina a retirada de um conteúdo da internet deve ser proveniente do Poder Judiciário e, como requisito de validade, deve ser identificada claramente.
6. O Marco Civil da Internet elenca, entre os requisitos de validade da ordem judicial para a retirada de conteúdo infringente, a “identificação clara e específica do conteúdo”, sob pena de nulidade, sendo necessário, portanto, a indicação do localizador URL.
7. Na hipótese, conclui-se pela impossibilidade de cumprir ordens que não contenham o conteúdo exato, indicado por localizador URL, a ser removido, mesmo que o acórdão recorrido atribua ao particular interessado a prerrogativa de informar os localizadores únicos dos conteúdos supostamente infringentes.
7. Recurso especial provido."
Fora ajuizada ação indenizatória cumulada com pedido de obrigação de fazer em face da Rede Record e o provedor de aplicações Google. Quanto à primeira pleiteou a autora, outrora protagonista de reality show, indenização por supostas ofensas à sua imagem feitas pelos jurados dos programas e que, a partir dessas, geraram comentários depreciativos por usuários do Youtube, serviço prestado pela segunda requerida. Em relação ao provedor de aplicações, pleiteou a remoção dos vídeos e que também não permitisse novas inclusões.
Sentença favorável à autora no tocante ao pleito de obrigação de fazer, permitindo inclusive que os links para localização do material ilícito a ser removido, fossem informados a posteriori. A corte paulista manteve a decisão de primeira instância na sua essência e ainda reforçou o cabimento da indicação de links posteriormente, possibilitando a indicação de outros não existentes no momento do ajuizamento e que a solicitação pudesse se dar inclusive via notificação extrajudicial.
O caso foi levado ao Tribunal da Cidadania. Em acórdão de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, fora dado provimento ao apelo especial, “para afastar a obrigação de remover conteúdo, a partir de mera notificação extrajudicial por parte da recorrida”, como também decidiu pela “impossibilidade de cumprir ordens que na?o contenham o conteu?do exato, indicado por localizador URL, a ser removido, mesmo que o aco?rda?o recorrido atribua ao particular interessado a prerrogativa de informar os localizadores u?nicos dos conteu?dos supostamente infringentes.”
São duas as questões cruciais a merecerem comentário sob a luz do Marco Civil da Internet: (a) possibilidade de remoção de conteúdo sem indicação de URL; (b) remoção sem o escrutínio judicial. Ambas se deitam sob o manto do artigo 19 da Lei nº 12.965/14. A princípio é preciso deixar claro que inexiste no texto legal uma previsão expressa de que a remoção de conteúdo só possa ser realizada mediante ordem judicial. Tanto o é que conteúdos que ferem as regras de uso das plataformas são costumeiramente removidas sem qualquer formalidade judicial. O artigo 19 apenas assegurou aos provedores a sua não responsabilidade pelo conteúdo gerado por terceiros, respondendo por esses apenas quando se negar a cumprir uma ordem judicial de remoção.
Normalmente a via judicial é a necessária para remoção de conteúdo ilícito de caráter subjetivo, como aqueles ofensivos à honra da vítima. E é o que se trata no presente caso. Não se pode deixar ao arbítrio do particular a decisão acerca da licitude do material. Pior ainda seria obrigá-lo a atender demandas futuras da autora sem passar pelo crivo jurisdicional, correndo-se o risco de o provedor ser obrigado a remover conteúdo que a princípio pudessem parecer ofensivos à autora, mas que poderiam tolher direito fundamental de terceiros, de igual relevância, somente limitados pelo juízo de ponderação do magistrado.
Quanto à necessidade de indicação de URLs, mister também se faz esclarecer que o Marco Civil, como não poderia ser diferente, não especifica esse recurso técnico como requisito para as ordens de remoção. Todavia, o parágrafo primeiro do artigo 19, estatui que: § 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
Não se tem dúvida de que a URL é, no caso concreto, a forma mais segura de indicação do conteúdo a ser removido, evitando a remoção de conteúdo de terceiros. E, a indicação clara e específica do conteúdo apontado como infringente deve ser apresentada logo no início do procedimento judicial, justamente para que o caso concreto seja apreciado de forma adequada permitindo-se o efetivo contraditório.
No caso concreto, mesmo que não houvesse a indicação de URL, sequer foram dadas informações a permitir a localização do conteúdo infringente, havendo apenas pedido genérico, o que demandaria uma análise pelo provedor de aplicações de uma enormidade de vídeos e, pior ainda, fazendo ele próprio as vezes de estado-juiz. Nesse ponto, importante registrar a passagem do acórdão do STJ, que bem ilustra essa preocupação: