Provedores de aplicação e responsabilidade subjetiva

Data do Julgamento:
12/12/2017

Data da Publicação:
15/12/2017

Tribunal ou Vara: Superior Tribunal de Justiça - STJ

Tipo de recurso/Ação: Recurso Especial

Número do Processo (Original/CNJ): 0008508-27.2010.8.20.0106

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Min. Nancy Andrighi

Câmara/Turma: 3ª Turma

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 5º, I, V e VII; artigo 18 e artigo 19

Ementa:

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. GOOGLE. BLOGGER. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTEÚDO REPUTADO OFENSIVO. MONITORAMENTO PRÉVIO. AUSÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AFASTAMENTO.
1. Ação ajuizada em 09/07/2010. Recurso especial interposto em 08/08/2014 e distribuído a este gabinete em 25/08/2016.
2. A verificação do conteúdo das imagens postadas por cada usuário não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de compartilhamento de vídeos, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, a aplicação que não exerce esse controle.
3. Aos provedores de aplicação, utiliza-se a tese da responsabilidade subjetiva, segundo a qual o provedor de aplicação torna-se responsável solidariamente com aquele que gerou o conteúdo ofensivo se, ao tomar conhecimento da lesão que determinada informação causa, não tomar as providências necessárias para a sua remoção. Precedentes.
4. Na hipótese dos autos, não houve determinação de monitoramento prévio, mas de retirada do conteúdo de blog, nos termos da jurisprudência deste STJ.
5. Recurso especial conhecido e não provido."

  • Rafael Pellon
    Rafael Pellon em 05/06/2018

    Trata-se de ação ajuizada contra a Google, na qual a parte requereu a remoção do “Blog do Paulo Doido”, hospedado pela plataforma Blogger, de propriedade do Google, enquanto perdurasse o anonimato do referido blog e as ofensas a sua imagem e de seus familiares. Requereu, ainda, a identificação dos responsáveis pelo blog.

    Em decisão liminar, a 3º Vara Cível de Mossoró acatou os pedidos da parte autora, ordenando a suspensão do blog pelo Google, sob pena de aplicação de multa diária de R$ 1.000,00, bem como o fornecimento da identificação dos responsáveis pelo endereço eletrônico.

    A sentença confirmou a decisão, julgando procedente a demanda da autora e declarando cumprida em parte a liminar, em razão do fornecimento pelo Google dos IP’s utilizados para criação e atualização do blog, considerando que o Google agiu dentro de suas possibilidades técnicas, já que os IP’s seriam os únicos dados de identificação disponíveis.

    Quanto a suspensão do blog, a sentença ordenou novamente a sua supressão, ainda que o Google tenha informado no decorrer do processo que referido blog havia sido desativado por seu autor em momento anterior a decisão do Judiciário e que, assim, não seria possível a suspensão do blog por seu hospedeiro, assim como não seria possível o controle para impedir o reestabelecimento posterior deste, visto que o Google não realiza controle prévio dos conteúdos postados em suas ferramentas. Mesmo com o recurso da sentença pelo Google, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte manteve o entendimento do juízo de primeiro grau, negando provimento a este. Inconformada com a decisão do Tribunal de origem, o Google recorreu ao Superior Tribunal de Justiça em Brasília.

    Já em Brasília, o julgamento do Recurso Especial merece destaque por expor de forma adequada e precisa a responsabilidade dos provedores de aplicação na internet. Provedores de aplicação são aqueles que disponibilizam funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet, mas não criam o conteúdo em si, o qual é gerado por terceiros, habitualmente os usuários das plataformas online, como é o caso do Blogger, plataforma de blogs administrada pelo Google. No Blogger, a atuação do Google se limita a abrigar e oferecer ferramentas para criação e edição de blogs, que são mantidos por terceiros, sem exercer qualquer controle editorial sobre o conteúdo criado e postado pelos seus usuários. A relatora, Ministra Nancy Andrighi, acertadamente esclarece que:
     

    “As discussões acerca da responsabilidade civil dos provedores de aplicações apresentam uma complexidade elevada, pois em regra não se está a discutir uma ofensa diretamente causada pelo provedor, mas sim por terceiros usuários das funcionalidades por ele fornecidas. A dificuldade é ainda mais elevada quando os provedores não exercem nenhum controle prévio sobre aquilo que fica disponível on-line, o que afasta a responsabilidade editorial sobre as informações.”
     

    Entende-se desta forma que não é da natureza dos serviços prestados por provedores de aplicação a análise prévia dos conteúdos que são publicados por seus usuários. A doutrina e a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça adotam esse posicionamento, seguindo a tese da responsabilidade subjetiva, em respeito ao disposto no artigo 19 do Marco Civil (Lei nº 12.965/14).

    Assim, os provedores de aplicação só seriam responsabilizados solidariamente com o autor de conteúdo ilícito apenas no caso de inércia, isto é, se uma vez notificados judicialmente da infração, não tomassem as providências necessárias para a remoção do conteúdo considerado danoso. Esta hipótese de responsabilização em caso de inércia na tomada de atitudes para remoção do conteúdo também está disciplinada no artigo 19, caput, do Marco Civil.

    Além disto, não se poderia exigir dos provedores de aplicação a fiscalização antecipada de cada conteúdo postados em suas plataformas, não apenas em razão da inviabilidade técnica desta medida, mas principalmente pelo risco de impedimento à liberdade de pensamento e de expressão, direito fundamental garantido pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso IX. Tal ato seria considerado censura prévia à manifestação de pensamento, algo que o país e suas instituições condenam frontalmente. Sopesados os direitos à livre expressão (art.5, IX, CF) em face dos direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, também protegidos pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, não se pode, ainda que com a intenção de impedir a propagação de conteúdos ilícitos e ofensivos, impedir o direito à informação e à liberdade de expressão, o qual é um marco da chamada “Constituição Cidadã de 1988”.

    Nesta linha, conclui a relatora que:
     

    “É, pois, ilegítima a responsabilização objetiva dos provedores de aplicação pelos conteúdos publicados por seus usuários.”
     

    No caso concreto, contudo, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso do Google, mantendo a decisão das instâncias inferiores para que se suspenda a disponibilização do blog com conteúdos ilícitos, argumentando que no caso
     

    “não se trata de monitoramento prévio de informações, mas de retirada de conteúdo ofensivo”.