Remoção de conteúdo e direitos autorais

Data do Julgamento:
09/11/2017

Data da Publicação:
24/11/2017

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP

Tipo de recurso/Ação: Apelação Cível

Número do Processo (Original/CNJ): 1014183-81.2016.8.26.0071

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Desª Ana Maria Baldy

Câmara/Turma: 6ª Câmara de Direito Privado

Ementa:

"AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. Sentença acolhendo o pedido de obrigação de retirada do conteúdo da plataforma da requerida, bem como condenando-a a indenizar à parte autora por danos materiais. Recurso da parte autora para majorar a indenização, bem como incluir outras URL's na determinação liminar.
Recurso da requerida para afastar a condenação indenizatória. Divulgação de livro de autoria do requerente em plataforma colaborativa da requerida. Inserção por usuário da plataforma. Atividade da requerida que configura-se como provedor de hospedagem. Marco Civil da Internet. Obrigação unicamente de retirada do conteúdo ofensivo após a devida intimação. Obrigação que foi devidamente cumprida.
Indenização por danos materiais. Ausência de hipótese de cabimento. Provedor que não foi responsável pela inserção do conteúdo e promoveu a retirada imediata dos endereços eletrônicos indicados pela parte autora. Ausência de comprovação de que a ré tenha o escopo de divulgar de forma indevida conteúdos protegidos por direitos autorais. Ausente o dever de indenizar. Precedentes. Reforma.
RECURSO DA PARTE AUTORA NÃO PROVIDO. RECURSO DA PARTE REQUERIDA PROVIDO, afastando a indenização por danos materiais."

  • Camila de Araújo Guimarães
    Camila de Araújo Guimarães em 23/01/2018

    O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ao apreciar controvérsia entre detentor de direitos autorais que reclamava a disponibilização indevida de sua obra na plataforma Passei Direto, reformou a sentença que havia fixado indenização por danos materiais ao provedor, afastando a responsabilidade solidária pela disponibilização da obra por usuário, ante à inexistência de controle editorial prévio e ausência do dever de moderação dos provedores de aplicações de internet em relação aos atos de terceiros.

    O acórdão: (i) reconheceu a inexistência do dever de monitoramento prévio pelos provedores de aplicação de internet em relação aos conteúdos veiculados por seus usuários, nos termos do quanto já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, já que não constitui risco inerente à sua atividade; (ii) reconheceu a inexistência de responsabilidade objetiva e afastou a indenização a título de danos materiais outrora fixada, ante a ausência de falha na prestação do serviço e ausência de ato ilícito, haja vista a pronta indisponibilização da URL indicada na exordial; (iii) apontou que os usuários são cientificados nos termos de uso acerca da vedação da disponibilização de conteúdo violador de direitos autorais, e; (iv) contemplou a necessidade de indicação das URLs que se encontra o material infringente.

    A fim de refletir sobre os parâmetros da decisão, o presente comentário apresentará brevemente os contornos legais da proteção dos direitos autorais no âmbito da responsabilidade de provedores de aplicações da internet – ou a falta deles, além de cotejar a decisão apresentada com importante precedente sobre a temática do Superior Tribunal de Justiça.

    Direito Autoral e o Marco Civil da Internet

    A terceira seção do Marco Civil da Internet foi destinada à responsabilidade dos provedores de aplicações de internet pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros, no caso, seus próprios usuários.

    O artigo 19 ali inserido é expresso ao disciplinar que os provedores de aplicações de internet apenas poderão ser responsabilizados por atos de terceiros se após ordem judicial específica não adotarem as providências para tornar indisponível o material infringente. Seja pela leitura de tal comando ou do entendimento já consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, não há dúvidas que o Marco Civil da Internet adotou a regra de responsabilidade subsidiária.

    Contudo, o parágrafo segundo do artigo 19 e o artigo 31 excetuaram à disciplina no tocante à violação ao direito autoral. Tal ressalva foi incluída pois, paralelamente ao trâmite legislativo do Marco Civil da Internet, o Ministério da Cultura seguia com a revisão da Lei de Direitos Autorais, tendo inclusive aberto canal de consulta pública ao Anteprojeto de Modernização da Lei de Direitos Autorais.

    Ou seja, embora o Marco Civil discipline a responsabilidade subsidiária dos provedores de aplicações de internet na hipótese de não remoção de conteúdo infringente após decisão judicial, em razão da expressa ressalva do legislador, tal hipótese não abrangeria as questões relativas ao direito autoral.

    Em tempos de sociedade de informação, em que a internet possibilita a difusão instantânea de obras protegidas pelo direito autoral aliada à facilidade de sua reprodução exponencial, embora haja inquestionável lacuna legislativa relativa à responsabilidade dos provedores de conteúdo, isso não significa dizer que não há proteção ao direito do autor no ambiente online, uma vez que é possível transportar a proteção conferida na Lei de Direitos Autorais às violações ocorridas na internet com vistas à construção jurisprudencial acerca da responsabilidade subsidiária dos provedores de aplicação de internet por atos de seus usuários, a qual foi consolidada antes mesmo do advento do Marco Civil da Internet mediante o reconhecimento da não incidência do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil a tal modalidade de provedor.

    Em setembro de 2017, a Comissão de Cultura apresentou parecer pela aprovação do Projeto de Lei 3133/2012, na forma de substitutivo. Tal proposta de alteração da Lei de Direitos Autorais destina seu nono capítulo à “Utilização da obra na internet” e o artigo 88-A prevê a possibilidade de o titular da obra requerer ao provedor de aplicações de internet (i) a indisponibilização da obra; (ii) a remuneração em razão da disponibilização da obra, ainda que tal ato tenha se dado por terceiros.

    Já o artigo 88-B do projeto, declara que o provedor de aplicações de internet poderá ser responsabilizado solidariamente, na hipótese de não adoção de providências como (i) criação de canal dedicado ao recebimento de notificações e contranotificações; (ii) após recebimento da notificação reclamando a veiculação indevida de obra, o provedor deverá noticiar o responsável por tal disponibilização com o teor da notificação e indicação do prazo máximo de quarenta e oito horas para retirada do material; (iii) nas hipóteses de impossibilidade de identificação do usuário ou inércia deste após o recebimento da notificação, findo o prazo de quarenta e oito horas, deverá o provedor agir na remoção da obra; (iv) o provedor deverá comunicar a remoção do material; (v) o usuário poderá assumir a responsabilidade exclusiva por eventuais danos e requerer ao provedor a manutenção ou reestabelecimento do material infringente, cabendo ao provedor informar tal fato ao notificante; (vi) quando houver mais de um titular de direitos autorais com divergências acerca da disponibilização da obra, essa deverá ser removida e a parte responsável pelo requerimento de remoção poderá responder por perdas e danos.

    Ao que parece, o legislador buscou inspiração no sistema de notice and takedown (notificação e retirada) adotado pelo Digital Millennium Copyright Act (DMCA). Porém, o texto proposto é amplamente contrário à vedação ao retrocesso quanto à proteção de basilares garantias constitucionais – como liberdade de expressão, livre manifestação do pensamento, acesso à informação e vedação à censura – privilegiados no Marco Civil da Internet. Isso porque, se de um lado o artigo 19 menciona a possibilidade de responsabilização subsidiária do provedor de aplicação de internet se houver descumprimento de ordem judicial, o texto do substitutivo do PL 3133/2012 propõe a possibilidade de responsabilização solidária se não houver atendimento de diversas exigências contidas nos parágrafos do artigo 88-B, providências estas que independem da apreciação judicial.

    No que diz respeito à possibilidade de o titular de direitos autorais requerer remuneração ao provedor de aplicações de internet em razão da “reprodução”, “distribuição” e “colocação ao público” de obras por seus usuários, tal hipótese constitui responsabilização objetiva do provedor pelos danos materiais gerados pela ação exclusiva dos usuários, a proposta também destoa da jurisprudência neste ponto, vez que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou que nas hipóteses de violação de direitos no âmbito da internet, a vítima deverá buscar reparação contra quem praticou o ato ilícito.

    As opções projetadas no substitutivo seriam indicativas de certo radicalismo quanto ao tema da responsabilidade civil dos provedores da internet no âmbito do direito autoral, haja vista que implicaria na remoção massiva de materiais após notificação em busca de coibir eventual veiculação de obra protegida, já que o próprio provedor poderia ser responsabilizado como o efetivo causador do dano. Diz-se radicalismo pois nem mesmo a disciplina para a remoção de conteúdos de nudez e de cunho pornográfico prevista no artigo 21 do Marco Civil da Internet – rigorosa em razão do bem jurídico protegido –, prevê a possibilidade de responsabilização solidária do provedor de aplicações de internet, tampouco de responsabilização objetiva, versando expressamente acerca da responsabilidade subsidiária.

    Assim, ante o aparente vazio legislativo, em razão da ressalva do Marco Civil e da ausência de disciplina na lei específica até que advenha a nova Lei de Direitos Autorais, cabe observar como a jurisprudência vêm dirimindo celeumas desta natureza.

    Relativo ao acórdão em comento, em que pese não mencione expressamente o artigo 19 do Marco Civil da Internet, ao reconhecer a necessidade de individualização do material impugnado por intermédio de seu endereço eletrônico específico e ao afastar a responsabilidade objetiva da plataforma ante o reconhecimento da adoção de providências após a ordem judicial de retirada, é certo que se encontra em perfeita harmonia ao que dispõe aludido dispositivo legal.

    Neste ponto, oportuno mencionar o julgamento do Recurso Especial n.º 1.512.647, de Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, o qual forneceu importante norteador na resolução de impasses relativos à responsabilidade do provedor de aplicações de internet pela violação a direitos autorais decorrente de atos de seus usuários.

    Naquela oportunidade o Ministro Luis Felipe Salomão sinalizou a possibilidade de utilização do racional e mens legis do Marco Civil da Internet até mesmo em casos anteriores à sua edição, mas apontou que a referida legislação excepcionou, no parágrafo segundo do artigo 19 e no artigo 31, a disciplina no tocante a violação de direitos autorais, sustentando que, inquestionavelmente, não disciplinar este tema teria sido a real vontade do legislador, citando, inclusive, posicionamento do Deputado Alessando Molon, que teve ativa participação na edição da Lei. 12.965/2014.

    Assim, para resolver se o provedor teria ou não responsabilidade pela inserção do material de terceiro, valeu-se da legislação de proteção autoral vigente e ponderou que em casos semelhantes do direito comparado foi realizada investigação acerca da estrutura dos provedores e mencionou os casos “Sony vs. Universal Studios” e “Napster”, concluindo naquela oportunidade que “a Google não violou diretamente direitos autorais, seja editando, contrafazendo ou distribuindo obras protegidas, seja praticando quaisquer verbos previstos nos arts. 102 a 104 da Lei n. 9.610/1998.”

    Ao observar que o provedor não praticou nenhum dos verbos dos artigos 102 e 104 da Lei n. 9.610/1998, o Superior Tribunal de Justiça desperta a discussão sob outra vertente, apenas o usuário, ou seja, aquele que efetivamente reproduziu indevidamente obra protegida pelo direito autoral deverá ser responsabilizado por tal violação, o que nos parece óbvio do ponto de vista da “pessoalidade da pena” (princípio da intranscendência), ou pelo próprio caráter pedagógico, já que o violador de tais direitos estaria em posição bastante confortável, na certeza que seus atos lhe seriam impunes ante à responsabilização de forma objetiva dos provedor de aplicações de internet.

    Se vê então, que a opção do PL 3133/2012 em responsabilizar os provedores de aplicação de internet por atos de seus usuários vai na contramão do acórdão ora comentado e também do posicionamento adotado pelo STJ, que ao analisar caso específico reconheceu que o provedor não havia praticado nenhum das ações puníveis dos artigos 102 a 104 da Lei n. 9.610/1998.

    Logo, temos que, na ausência de dispositivo legal específico que regulamente a matéria, a jurisprudência caminha na observância da conduta e estrutura do provedor de aplicações de internet em si, avaliando se a ele poderia ser imputada responsabilização pela conduta de terceiros, com a tendência do reconhecimento de que o ato de “reproduzir” “disponibilizar” obras nas plataformas é de responsabilidade exclusiva do usuário.

    Inegavelmente, cada acórdão que enfrenta o tema passa a contribuir na resolução de celeumas desta natureza enquanto a lacuna no tocante à positivação da responsabilização dos provedores de aplicações de internet pelos atos violadores de direitos autorais perpetrados por seus usuários não é suprida com a normativa específica que se espera por meio da modernização da Lei de Direitos Autorais.