Ofensas por aplicativo e celular profissional
Data do Julgamento:
15/11/2016
Data da Publicação:
18/11/2016
Tribunal ou Vara: 3ª Vara Cível Pinheiros - São Paulo - SP
Tipo de recurso/Ação: Sentença
Número do Processo (Original/CNJ): 1011979-84.2015.8.26.0011
Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Juiz Théo Assuar Gragnano
Câmara/Turma: -
Artigos do MCI mencionados:
Artigo 7º, III
Ementa:
"(...) ROBERTA e Eduardo foram casados de maio de 2006 a julho de 2013 (fls. 115/116) e são pais de Guilherme e Fernando (com 8 e 6 anos de idade, respectivamente), os quais têm como babá, desde o ano de 2008, a ré IVONETE.
Após o divórcio, JAMILE e Eduardo constituíram união estável, tendo este constatado, ao examinar aparelho celular que teria sido dado a IVONETE em razão do trabalho, que as rés, em mensagens trocadas via WhatsApp, ofendiam copiosamente a honra da autora.
Meses após tal constatação, um dos filhos de Eduardo e ROBERTA, durante reunião familiar, dirigiu ofensa à autora com conteúdo assemelhado às ofensas proferidas pelas rés em mensagens trocadas via WhatsApp.
A prova havida mediante acesso ao aparelho celular de IVONETE.
Questão decisiva a ser desde logo desatada diz com a validade dos dados e informações colhidos por Eduardo (e por ele transmitidos à autora) no aparelho celular utilizado por IVONETE. (...)"
A proteção jurídica à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações tem sua base na Constituição Federal, precisamente no art. 5º, XII (“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”). Trata-se, pois, de direito fundamental que somente poderá ser excepcionado mediante ordem judicial desde que para a utilização em persecução penal.
O MCI trata dos direitos e garantias dos usuários no Capítulo, composto pelos arts. 7º e 8º. Precisamente no art. 7º, III estabelece a
Em complemento, o caput do art. 8º determina que
Ocorre que, para além da CF/88 e do MCI, é preciso ter em consideração as leis nº 9.296/96 (“Interceptação telefônica”) e nº 9.472/97 (“Lei geral de telecomunicações”), que têm pontos de contato importantes com o tema.
De qualquer forma, há sintonia do MCI com a CF/88 e demais leis mencionadas.
A grande questão sobre este tema – sigilo das comunicações – sempre residiu nas interpretações sobre a extensão da exceção à inviolabilidade do sigilo (art. 5º, XII), desdobrando-se o debate em duas interpretações: a) se a expressão “no último caso” se refere às comunicações telefônicas (posição majoritária); ou b) se tal expressão engloba, além das comunicações telefônicas também a palavra “dados” que a precede (posição minoritária). Neste ponto entram em cena a lei nº 9.296/96 – que no art. 1º, parágrafo único, estabelece que “o disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática” – e a lei nº 9.472/97 – que, no artigo 69, parágrafo único define comunicação como
Mas o debate mais atual extrapola as questões acima para que se discuta a possibilidade de acesso a dados contidos em equipamentos eletrônicos mediante verdadeira devassa, não por interceptação.
Ora, o fato da tecnologia propiciar o porte dados não os torna menos dignos de proteção. E foi justamente este o entendimento no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 51.531 (6ª Turma do STJ), onde se decidiu, por unanimidade e de forma inédita, que o acesso aos dados contidos em aparelho celular dependem de autorização judicial entendendo que “Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial”. Importante salientar que o RHC foi mencionado na decisão em comento.
Veja-se que a decisão da 3ª Vara Cível do Foro Regional XI de São Paulo/SP foi exatamente neste sentido, isto é, de que a obtenção de dados, sem autorização do proprietário do aparelho ou ordem judicial, é ilícita, ainda que revelasse conteúdo criminoso (o que se reconheceu, inclusive).
Complementarmente, o decisum mencionou que a questão fulcral é que o aparelho foi acessado pelo empregador sem que houvesse previsão expressa para tanto no contrato de trabalho. Isso teria tornado o acesso complemente indevido e, portanto, nulificou a prova que se pretendeu produzir. Trata-se, inequivocamente, de decisão que privilegiou os direitos e garantias fundamentais, mas que, apesar disso e da menção ao MCI, foi muito mais baseada em outros dispositivos legais do que a lei nº 12.965/14.