Perfil falso e suspensão de rede social

Data do Julgamento:
28/09/2017

Data da Publicação:
30/10/2017

Tribunal ou Vara: Tribunal Superior Eleitoral - TSE

Tipo de recurso/Ação: Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral

Número do Processo (Original/CNJ): 0000141-28.2016.6.24.0019

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto

Câmara/Turma: -

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 10 e §§ 1° e 2° e artigo 19, caput e § 1°

Ementa:

"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÃO 2016. ASTREINTES. ART. 537 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. PROPAGANDA ELEITORAL OFENSIVA. ANONIMATO. FACEBOOK. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DESPROVIMENTO.
1. O caso diz respeito a descumprimento de ordem judicial que se estendeu por 20 (vinte dias) para retirada de propaganda anônima com conteúdo ofensivo a candidato, o que gerou a imposição de multa cominatória (astreintes) no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia, atingindo o valor total de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais).
2. Afasta-se a suscitada nulidade da decisão liminar em razão de suposta falta de clareza, pois, na espécie, o Tribunal a quo enfatizou que o teor das decisões proferidas pelo Juiz Eleitoral permite inferir, de forma bastante clara, que a ordem judicial ordenou a remoção da página "Udo Caduco" da rede social Facebook, pelo fato de postar mensagens de cunho eleitoral sob o manto do anonimato, fazendo, inclusive, expressa menção ao seu endereço eletrônico (URL).
3. Conforme consignado no decisum agravado, o tema não constitui novidade no TSE, o qual já tem diversos julgados que versam sobre a prática noticiada nestes autos, tanto sob o aspecto material quanto do descumprimento às ordens emanadas desta Justiça Especializada, ficando clara a orientação jurisprudencial de que a multa cominatória tem o condão de garantir a efetividade da prestação jurisdicional. Precedentes.
4. Também não merece acolhimento a aventada ofensa ao princípio da proporcionalidade, pois, consoante afirmado no acórdão regional, a multa fixada pelo Juiz Eleitoral fundamentou-se na necessidade de preservar a higidez das decisões judiciais e na capacidade econômica da recorrente. Além disso, ressaltou-se que, em outros processos referentes às eleições de 2016, a mesma empresa já foi condenada ao pagamento de multa pelo descumprimento de ordem judicial da mesma natureza, o que configura a reiteração de conduta e o desrespeito à autoridade das decisões proferidas pela Justiça Eleitoral.
5. A Corte Regional, soberana no exame probatório, destacou a falta de zelo e cuidado da empresa, que procrastinou injustificadamente as providências impostas pela ordem judicial. Para reformar o acórdão regional no tocante à ausência de justa causa pelo atraso no cumprimento da ordem judicial, seria necessário reexaminar o acervo fático-probatório dos autos, providência incompatível com a via estreita do recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula nº 24/TSE.
6. Agravo regimental desprovido."

  • Rodrigo  Cardoso Silva
    Rodrigo Cardoso Silva em 19/11/2016

    O caso em tela se refere, principalmente, a uma representação eleitoral de bloqueio para provedor de aplicação de Internet da rede social Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. Em breve síntese, um candidato adversário – de forma anônima, criou um perfil no Facebook tisnando a honra e a imagem do prefeito atual de Joinville (SC), com fatos inverídicos.

    A análise do enlace júris processual se dá desde a sentença de primeiro grau até o acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Deste modo, segue a análise de alguns pontos relevantes para a legislação da internet no Brasil.

    Não obstante a representação ter fundamentos jurídicos disciplinados na lei 9.504/97, o que ficou bem exposto pelas argumentações do magistrado eleitoral de primeira instância, há que se observar que a lei 12.965/14 também está presente nos fatos narrados mesmo não sendo analisada no mérito da causa.

    Pois bem, a decisão monocrática trouxe atenção para dois pontos bastante debatidos, mas que parece haver a necessidade de se fazer refletir novamente sobre a importância do Marco Civil da Internet (MCI) para que as decisões sejam mais próximas da justiça imparcial e proporcional ao dano, sem causar prejuízo além do que a lei impõe.

    Neste sentido, dá-se a atenção a dois itens da sentença proferida em 05/10/2016. Vejamos.

    Com relação ao item a.2, no que diz respeito ao fornecimento do IP ou qualquer outro meio que traga luz à identificação do titular do perfil (anônimo) no Facebook.

    Ao que parece, a posição do magistrado demonstrou interpretação extensiva e subjetiva da legislação do MCI, especialmente para os artigos 13 a 15 da respectiva lei. Ademais, a percepção é de que se buscou saber apenas o superficial técnico do funcionamento da Internet para propor a sentença, sem se preocupar como seria a efetiva busca desses metadados.

    É importante lembrar que todas as atividades praticadas pelo usuário na Internet em servidores de aplicações – seja de hospedagem, conteúdo ou informação, anônimo ou não, dão-se na camada de aplicação, ficando o registro em cada sistema e mantenedor de aplicação Web, bem como no seu dispositivo de acesso a Internet, seja qual for.

    Hodiernamente, o Internet Protocol (IP) são rotativos e escassos na sua versão 04 e, no caso do horário ou da data de acesso de um provedor seja divergente da hora ou data oficial, por exemplo, é possível que a prova obtida seja insuficiente, isto é, existe a possibilidade de uma identificação errônea do potencial investigado ou acusado.

    Diante do exposto acima, vem à seguinte pergunta, e a tal da porta lógica? Ela não resolveria esse problema? A resposta é sim, no caso dela ser a porta originária para relacionar ao provedor de conexão. Porém, ela não está disciplinada no MCI de forma abrangente, como também, outras tecnologias lógicas de dados digitais.

    A decisão ora tratada aqui, é mais um precedente de pedido bastante sensível para o entendimento do judiciário, pois se compreende que qualquer dado seja suficiente para a identificação do usuário. O que não é verdade. Entendo que se deve primeiro buscar um equilíbrio e compreensão nas decisões, principalmente, quando se refere a algo novo, como o ecossistema da Internet.

    Da mesma forma, a decisão do TRE-SC - datada em 27/10/2016, trouxe à luz o artigo 10, §§1º e 2º do MCI, como uma forma de enfatizar a obrigatoriedade do recorrente em ter que adotar medidas técnicas para eventuais apurações de ilicitudes perpetradas em seu sítio de aplicação na Internet.

    É notório dizer que a decisão do tribunal também não foi tecnicamente satisfatória no que tange a argumentar o pedido sem ser generalista. Aliás, deixou expressamente claro que essa ordem judicial será atendida “... sempre que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal...”, o que denota percepção do tribunal com o MCI – e sua lacuna, para que a decisão seja juridicamente mais eficaz, necessitando-se, assim, de mais estudos.

    Importante se faz ressaltar, também, os embargos de declaração impetrados pelo recorrente, uma vez que parece ter ocorrido uma dissonância hermenêutica com relação ao artigo 19, §1º do MCI. Com efeito, a decisão monocrática foi feliz em não observar o pedido de embargo. A prova disso é um documento online denominado Declaração de Direitos e Responsabilidades do Facebook, que no subitem Compartilhamento de suas informações e conteúdos, explana de maneira clara como será o acesso ao perfil do usuário, seja ele fake ou não. Neste sentido, quando você publica conteúdos ou informações usando a opção Público, você está permitindo que todos, incluindo pessoas fora do Facebook, acessem e usem essas informações e as associem a você (isto é, ao seu nome e foto do perfil). Assim, a argumentação do recorrido e, igualmente, do juiz do tribunal – voto vencido, não faz jus.

    Já o segundo ponto em questão é o pedido de suspensão do Facebook por 24 horas – item c. Confesso que fiquei atônito com a sentença de primeira instância em razão do tema já ter sido muitas vezes repelido por especialistas e a sociedade civil. Em caso semelhante, o Supremo Tribunal Federal (STF) se posicionou contra o bloqueio ou qualquer tipo de suspensão para provedores de aplicações.

    Para o caso em questão, é preciso tentar entender a decisão do magistrado. Dentro do mérito, eleitoral, as sanções cominatórias foram aduzidas e aplicadas dentro do ordenamento jurídico, sem exceção.

    Destarte, a medida de suspender o serviço online do Facebook dá ensejo a um tipo de enforcement judicial na aplicação da sentença, mesmo com as sanções legais mencionadas anteriormente.

    A razão dessa reflexão é porque, segundo a consultoria norte-americana Venture Beat, o déficit da rede social a cada minuto fora do ciberespaço é de aproximadamente 70 mil reais, sendo que numa paralisação de 24 horas o prejuízo giraria em torno de 1,6 milhões de reais.

    Além disso, a rede social deveria ainda se pronunciar que estava cumprindo uma determinação judicial no campo eleitoral para todos os usuários. Parece-me a aplicação de uma espécie de contempt of court para ressaltar a sentença de primeiro grau.

    Em que pese o poder do magistrado em proferir a sentença, acredito que o desenvolvimento econômico e social não deveria sofrer com uma decisão que protege somente um particular. No mesmo sentido, um ponto relevante a ser mencionado é que a decisão goste-se ou não do Facebook, interfere negativamente na economia da internet.

    Tal medida fez com que a rede social agisse primeiramente pela retirada do perfil anônimo logo após a sentença. Contudo, o pedido forçoso pode se tornar um entendimento judicial perigoso para a economia da internet que sofre danos financeiros mais rápidos do que nos modelos tradicionais.

    Para dar maior ênfase a esse cenário, recentemente foi lançamento em caráter oficial a rede social para o mundo corporativo, o Facebook At Work, com custo por cada funcionário para as empresas. O empreendedorismo digital não tem limites. Por isso, a magistratura deverá estar preparada para cenários jurídicos novos. Refletindo sobre esta nota, o colaborador é obrigado a estar cadastrado neste Workplace? O direito do trabalho está preparado para resolver tais demandas? Esses questionamentos e outros devem estar presentes nas mentes dos juízes e demais agentes públicos do judiciário.

    É importante frisar que a medida de suspensão foi um ato desnecessário, pois causa impacto na economia da internet na qual todos estão direta ou indiretamente relacionados. Em suma, a sociedade como um todo.

    No mesmo sentido, a decisão do TRE-SC foi bastante salutar e harmônica com o pensamento do STF e a atualidade cotidiana do país em relação à Internet.

    Por fim, talvez, o assunto seja ainda novo para a compreensão do poder judiciário de algumas instâncias. Mas logo, os magistrados deverão tomar conhecimento e percepção mais dinâmica do ecossistema da internet para não adotar postura contrária ao processo evolutivo da cibercultura no país.