Violação autoral em redes sociais

Data do Julgamento:
13/05/2015

Data da Publicação:
05/08/2015

Tribunal ou Vara: Superior Tribunal de Justiça - STJ

Tipo de recurso/Ação: Recurso Especial

Número do Processo (Original/CNJ): 2187402-09.2008.8.13.0024

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Ministro Luis Felipe Salomão

Câmara/Turma: 4ª Turma

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 19, §§ 1º e 2º e artigo 31

Ementa:

"DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS. REDE SOCIAL. ORKUT. RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR (ADMINISTRADOR). INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO. ESTRUTURA DA REDE E COMPORTAMENTO DO PROVEDOR QUE NÃO CONTRIBUÍRAM PARA A VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS. RESPONSABILIDADES CONTRIBUTIVA E VICÁRIA. NÃO APLICAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DANOS QUE POSSAM SER EXTRAÍDOS DA CAUSA DE PEDIR. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INDICAÇÃO DE URL'S. NECESSIDADE. APONTAMENTO DOS IP'S. OBRIGAÇÃO DO PROVEDOR. ASTREINTES . VALOR. AJUSTE.
1. Os arts. 102 a 104 da Lei n. 9.610/1998 atribuem responsabilidade civil por violação de direitos autorais a quem fraudulentamente "reproduz, divulga ou de qualquer forma utiliza" obra de titularidade de outrem; a quem "editar obra literária, artística ou científica" ou a quem "vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem".
2. Em se tratando de provedor de internet comum, como os administradores de rede social, não é óbvia a inserção de sua conduta regular em algum dos verbos constantes nos arts. 102 a 104 da Lei de Direitos Autorais. Há que investigar como e em que medida a estrutura do provedor de internet ou sua conduta culposa ou dolosamente omissiva contribuíram para a violação de direitos autorais.
3. No direito comparado, a responsabilidade civil de provedores de internet por violações de direitos autorais praticadas por terceiros tem sido reconhecida a partir da ideia de responsabilidade contributiva e de responsabilidade vicária, somada à constatação de que a utilização de obra protegida não consubstanciou o chamado fair use.
4. Reconhece-se a responsabilidade contributiva do provedor de internet, no cenário de violação de propriedade intelectual, nas hipóteses em que há intencional induzimento ou encorajamento para que terceiros cometam diretamente ato ilícito. A responsabilidade vicária tem lugar nos casos em que há lucratividade com ilícitos praticados por outrem e o beneficiado se nega a exercer o poder de controle ou de limitação dos danos, quando poderia fazê-lo.
5. No caso em exame, a rede social em questão não tinha como traço fundamental o compartilhamento de obras, prática que poderia ensejar a distribuição ilegal de criações protegidas. Conforme constatado por prova pericial, a arquitetura do Orkut não provia materialmente os usuários com os meios necessários à violação de direitos autorais. O ambiente virtual não constituía suporte essencial à pratica de atos ilícitos, como ocorreu nos casos julgados no direito comparado, em que provedores tinham estrutura substancialmente direcionada à violação da propriedade intelectual. Descabe, portanto, a incidência da chamada responsabilidade contributiva.
6. Igualmente, não há nos autos comprovação de ter havido lucratividade com ilícitos praticados por usuários em razão da negativa de o provedor exercer o poder de controle ou de limitação dos danos, quando poderia fazê-lo, do que resulta a impossibilidade de aplicação da chamada teoria da responsabilidade vicária.
7. Ademais, não há danos materiais que possam ser imputados à inércia do provedor de internet, nos termos da causa de pedir. Ato ilícito futuro não pode acarretar ou justificar dano pretérito. Se houve omissão culposa, são os danos resultantes dessa omissão que devem ser recompostos, descabendo o ressarcimento, pela Google, de eventuais prejuízos que a autora já vinha experimentando antes mesmo de proceder à notificação.
8. Quanto à obrigação de fazer – retirada de páginas da rede social indicada –, a parte autora também juntou à inicial outros documentos que contêm, de forma genérica, URLs de comunidades virtuais, sem a indicação precisa do endereço interno das páginas nas quais os atos ilícitos estariam sendo praticados. Nessas circunstâncias, a jurisprudência da Segunda Seção afasta a obrigação do provedor, nos termos do que ficou decidido na Rcl 5.072/AC, Rel. p/ acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 4/6/2014.
9. A responsabilidade dos provedores de internet, quanto a conteúdo ilícito veiculado em seus sites, envolve também a indicação dos autores da informação (IPs).
10. Nos termos do art. 461, §§ 5º e 6º, do CPC, pode o magistrado a qualquer tempo, e mesmo de ofício, alterar o valor ou a periodicidade das astreintes em caso de ineficácia ou insuficiência ao desiderato de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação. Valor da multa cominatória ajustado às peculiaridades do caso concreto.
11. "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório" (Súmula n. 98/STJ)."

  • Claudio  de Lucena Neto
    Claudio de Lucena Neto em 07/02/2017

    Talvez seja interessante pontuar, para contribuir na contextualização do comentário do Professor Eduardo Magrani, que o modelo de responsabilização que ele descreveu e que foi adotado pelo Marco Civil brasileiro, está decomposto em diretrizes básicas que a partir de 2015 passaram a constituir os Princípios de Manila, uma orientação internacional de referência de boas práticas na responsabilização de intermediários, discutida e acordada por uma coalizão da comunidade global envolvida com a governança da Internet. Entre outros standards mínimos em situações como a do caso comentado, os Princípios recomendam a excepcionalidade na responsabilização de plataformas por conteúdo de terceiros, a exigência de decisão judicial para a indisponibilização de conteúdos, a proporcionalidade e o respeito ao devido processo legal. Os Princípios de Manila têm sido implementados, com amplitudes distintas, em várias legislações nacionais.

    O fundamento por trás do modelo do Marco Civil, bem como dos Princípios de Manila e de qualquer outra alternativa de limitação à responsabilização de intermediários é o argumento de que o controle prévio dos conteúdos a serem disponibilizados pelos usuários das plataformas não é uma solução desejável, seja porque operacionalmente difícil, seja porque humanamente inviável, dada a escala destas ferramentas, para não mencionar que atrai perigosamente a sombra da censura prévia, inaceitável nas democracias modernas. No entanto, vem ganhando espaço neste cenário a ideia de que em alguma medida incumbe legalmente a estas plataformas moderar o conteúdo que disponibilizam. Esta moderação motivada e transparente como tentativa de conciliar interesses de relevância jurídica equivalente sempre foi admitida como alternativa, digamos, "republicana" à censura pura e simples, e retoma força exatamente na tentativa de encontrar um contrapeso ao impacto sem precedentes do alcance que tem a escala digital - para o bem e para o mal.

    Neste sentido, a argumentação da decisão que está comentada aqui corresponde a uma solução jurídica atualmente adequada, tendo em vista o funcionamento conhecido da plataforma à época desta violação. Todos os argumentos mencionados na decisão, como o de que a plataforma não induz nem fornece aos usuários os meios necessários à violação, não se centra no compartilhamento de conteúdo protegido ou não obtém lucro (embora sem um aprofundamento sobre a possibilidade de lucro direto ou indireto, alguma vantagem em sentido amplo) derivam em alguma extensão do fundamento mencionado acima, da inviabilidade técnica, humana e da inadequação jurídica de controle prévio do conteúdo que terceiros disponibilizam (pelo menos até notificação formal à plataforma de que o conteúdo viola direitos) e esta solução condiz com as normas jurídicas objetivas em vigor no Brasil e em grande parte do mundo. Por ora não há uma providência técnica suficientemente estabelecida que se possa apontar como marco de um dever geral de cautela a ser observada pelos intermediários.

    Além de tudo, é verdade que as disposições do Marco Civil em princípio sequer se aplicariam às questões relacionadas à Propriedade Intelectual, por expressa opção legal, como já mencionado nesta discussão. No entanto, vem do próprio ambiente da propriedade intelectual em plataformas eletrônicas uma prática que pode, em um futuro breve, levar a uma reavaliação exatamente daquele argumento fundamental que mencionei acima. O YouTube atualmente emprega um mecanismo capaz de identificar de maneira automatizada se videos disponibilizados na plataforma violam direitos de autor. ContentID, o algoritmo em funcionamento hoje em dia, é um função hash que compacta as amostras que ficam guardadas como referência e com isso viabiliza as operações computacionais de comparação com o material que se pretende disponibilizar, gerando, em grande parte das situações, uma decisão automática sobre determinado conteúdo conter ou não conter material de propriedade de terceiros, e portanto sobre ser ou não legal hospedar este material na plataforma.

    A prática já apresenta resultados significativos, e experiências recentes com outras técnicas como a aprendizagem através de múltiplas camadas de representação e a utilização de algoritmos transdutores de estados finitos, por exemplo, prometem aprimorar ainda mais estes resultados. É uma alternativa a princípio utilizada no âmbito da propriedade intelectual, que, repita-se, a princípio não se submete às normas do MCI. Mas nada impede, pelo menos em tese, a tentativa de calibrar estas ferramentas para que funcionem em outros microssistemas jurídicos, de acordo com as delicadezas, sensibilidades, características e particularidades que lhes são próprias.

    Uma vez amadurecidas estas ferramentas e incorporadas pelas plataformas em seu benefício, para o desenvolvimento de sua atividade empresarial regular, como instrumento particular, privado de proteção de seus interesses econômicos, será justo admitir que estas novas alternativas de automação de tarefas terão a capacidade de alterar também o escopo do que hoje consideramos dever geral de cautela em relação aos interesses públicos que esta atividade tocar. Isto deve alterar o cerne do fundamento exposto acima, tornando viável e exequível a moderação em escala, senão automatizada, mas pelo menos assistida de determinados conteúdos, o que poderá por sua vez redesenhar as circunstâncias em que a questão é atualmente enfrentada pelos tribunais brasileiros.

  • Eduardo  Magrani
    Eduardo Magrani em 02/02/2017

    O caso em tela trata da responsabilidade civil do provedor de aplicações por violação de direitos autorais em rede social (Orkut). O julgamento do STJ (Recurso Especial n. 1.512.647) levou em consideração o não enquadramento da conduta do provedor nas situações previstas nos artigos 102 a 104 da LDA, que tratam das previsões de sanções civis.

    Diferentemente do entendimento adotado pelo STJ, que será exposto adiante, o Juiz de primeira instância e o Desembargador do TJMG entenderam que os artigos 102 a 104 da LDA seriam aplicáveis ao caso, pois, nas palavras do Desembargador Arnaldo Maciel, da “simples leitura” dos dispositivos seria possível constatar que a natureza da rede social Orkut “não autoriza a exclusão da sua responsabilidade, na medida em que foi ela quem permitiu a divulgação e a venda ilícita da obra” da autora da ação.

    Apesar de ser um tema relativamente recente nas discussões jurídicas por conta do advento da WEB 2.0 ter somente uma década, a responsabilidade de provedores envolvendo violações de propriedade intelectual é um tema bastante debatido no Brasil. O judiciário brasileiro condenou na última década uma série de plataformas por conta de ilícitos civis e criminais cometidos por terceiros em seus espaços. Durante este tempo, o judiciário demonstrou enorme desconhecimento acerca do funcionamento tecnológico das plataformas e foi pouco atento à função social que exercem.

    Por conta dos reiterados equívocos envolvendo responsabilização de provedores no judiciário e em propostas legislativas envolvendo direitos intelectuais, inseriu-se na regulação geral de internet no brasil (Marco Civil da Internet - MCI) uma salvaguarda a provedores de aplicações, determinando que só possuem responsabilidade após decisão judicial. No entanto, o próprio MCI criou uma exceção a esta salvaguarda especificamente para violação autoral visto que deixa a matéria a cargo de legislação específica em matéria autoral. Desta forma, foi afastada a aplicação do Marco Civil da Internet ao caso, apesar de já vigente à época da decisão. Para o Ministro Relator Luis Felipe Salomão, não teria sido intenção do legislador “tratar de delicado tema no âmbito da primeira regulação da internet no Brasil”.

    No caso concreto, caminhou bem a decisão por avaliar que a plataforma não pode ser responsabilizada. Com base em teoria do direito comparado, o STJ afirmou que não se configuraria a responsabilidade contributiva tendo em vista que não houve um induzimento ou encorajamento intencional para que terceiros cometessem a violação e porque a rede social “não provia materialmente os usuários com os meios necessários à violação de direitos”. Também não se configuraria a responsabilidade vicária, pois é notório o fato de que a natureza da plataforma não era centrada no compartilhamento de obras autorais, portanto o ambiente virtual do Orkut não poderia ser considerado um suporte essencial para a prática dos ilícitos. Além disso, não teria havido “lucratividade com ilícitos praticados por usuários em razão da negativa de o provedor exercer o poder de controle ou de limitação dos danos”. A responsabilidade do provedor de aplicações deve ser subjetiva e não objetiva, sendo necessário, portanto, a caracterização ao menos de culpa da plataforma.

    Por fim, foi afastada acertadamente a condenação em danos materiais, feita pelo juiz de primeira instância e mantida pelo TJMG. Para o STJ, apesar da omissão do Google em retirar do ar páginas apresentadas como violadoras de direitos autorais, o dano alegado não guardaria relação de contemporaneidade com o ilícito imputado ao provedor, “o qual, se existente, foi praticado já depois de a autora experimentar os prejuízos indicados na inicial”. A omissão do provedor não deve responsabilizá-lo por dano já concretizado, mas apenas por danos surgidos depois que foi comunicado e quedou-se inerte.