Neutralidade de rede e ordem econômica

Data do Julgamento:
31/08/2017

Data da Publicação:
31/08/2017

Tribunal ou Vara: Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

Tipo de recurso/Ação: Inquérito Administrativo

Número do Processo (Original/CNJ): 08700.004314/2016-71

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): -

Câmara/Turma: -

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 2º e artigo 9º, § 1º, I e II; § 2º, I, II, III e IV, e § 3º e e Decreto n° 8.771/2016

Ementa:

"Inquérito Administrativo para Apuração de Infrações à Ordem Econômica. Supostas práticas no sentido de limitar, falsear e prejudicar a livre concorrência e a livre iniciativa, por meio da discriminação de condições de acesso a aplicativos na Internet e fixação diferenciada de preços. Mercado de telecomunicações e Internet. Conduta não configurada. Arquivamento do processo consoante art. 135, §2º c/c art. 139 §3º do Regimento Interno do CADE c/c art. 66 §4º da Lei 12.529/2011."

  • Luca Belli
    Luca Belli em 05/12/2017

    Nos últimos meses, o debate sobre Neutralidade da rede voltou a ser de grande atualidade. Tal retorno, com grande pompa, se deve à recorrência de três pronunciamentos sobre neutralidade para as autoridades de três entre os cinco países mais populosos do mundo: o Brasil, os Estados Unidos e a Índia. Em menos de sessenta dias, o debate sobre neutralidade, aparentemente sonolento e bem sedimentado, foi reanimado e movimentado por uma série de decisões e anúncios do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), da Federal Communications Commission (FCC) e da Telecom Regulatory Authority of India (TRAI). Na ordem:

    • * o CADE estabeleceu que as práticas de zero rating “não violam o Marco Civil da Internet, tampouco o Decreto 8.771/2016 e o princípio da neutralidade de rede”;
    • * o Presidente da FCC, Ajit Pai, nomeado no início do ano pelo presidente Trump, compartilhou o rascunho da portaria com a qual ele pretende revogar as regras de proteção da neutralidade da rede;
    • * a TRAI publicou os resultados da consulta bifásica sobre neutralidade da rede, organizada entre 2016 e 2017, recomendando a adoção de uma regulamentação forte da neutralidade a fim de proteger vigorosamente o princípio do tratamento não discriminatório.

    Estes acontecimentos demostram que o debate sobre neutralidade continua suscitando surpresas e controvérsias, pois mesmo quando a legislação e a regulamentação são aprovadas, a situação política e, por consequência, regulatória, são suscetíveis de mudar muito rapidamente. No entanto, o objetivo deste comentário é analisar e contextualizar brevemente a decisão do CADE, deixando para publicações ulteriores a reflexão sobre os acontecimentos americanos e indianos.

    Por meio da Nota Técnica nº 34/2017/CGAA4/SGA1/SG/CADE, publicada no Diário Oficial da União no dia 01/09/2017, o CADE resolveu o arquivamento do Inquérito Administrativo nº 08700.004314/2016-71 para Apuração de Infrações à Ordem Econômica das práticas ditas de zero rating. Neste sentido, o CADE apurou a não infração das práticas, implementadas pelas maiores operadoras móveis do país, no sentido de limitar, falsear e prejudicar a livre concorrência e a livre iniciativa, por meio da discriminação de condições de acesso a aplicativos na Internet e fixação diferenciada de preços.

    Antes de analisar a nota do CADE de facto e de jure, e a fim de compreender a origem e os desdobramentos das práticas de zero rating, é necessário analisar brevemente o mais amplo debate sobre neutralidade da rede, no qual essas práticas são colocadas pela doutrina bem como pela lei. Portanto, cabe efetuar uma breve digressão para esclarecer a relevância, as bases conceituais e as finalidades da neutralidade da rede.

    O princípio da neutralidade e a combinação de franquias com zero rating

    Apesar da existência de várias definições de neutralidade da rede, cabe destacar que todas as formulações convergem na consagração de um princípio de não discriminação entre os vários conteúdos, aplicativos, serviços ou equipamentos terminais. O objetivo de tal princípio é preservar a estrutura aberta da Internet, evitar que os provedores de acesso à Internet possam influenciar indevidamente a experiência do usuário e limitar indevidamente o pleno gozo de seus direitos, bloqueando, degradando ou priorizando conteúdos, aplicativos, serviços ou equipamentos terminais, baseados em considerações puramente comerciais.

    Esse ponto é particularmente relevante porque, de fato, nos últimos quinze anos, o fenômeno crescente da integração vertical entre os operadores de redes e os provedores de conteúdo e aplicações aumentou exponencialmente, levando quase todas as maiores operadoras à aquisição ou ao estabelecimento de parcerias comercias com provedores de aplicativos e conteúdo. Tal integração tem gerado preocupações na medida em que as operadoras, cujos modelos de negócios são intimamente conectados com os modelos de negócios dos provedores de aplicativos e conteúdo, têm não somente a possibilidade, mas também os incentivos concretos para privilegiar o tráfego dos parceiros comerciais, bloquear ou degradar os serviços concorrentes.

    Na última década, uma série muito consequente de estudos e de decisões comprovou que, quando as operadoras têm a possibilidade de discriminar livremente, degradando ou bloqueando os competidores e priorizando os parceiros, elas não resistem à tentação. Por essa razão, mais de quarenta países já adotaram regras para defender a neutralidade da rede, buscando preservar uma Internet aberta e de finalidade geral, facilitando a participação ativa do usuário – não somente como consumidor, mas também como produtor de conteúdos e serviços inovadores –, promovendo a concorrência e facilitando o pleno gozo dos direitos fundamentais de todos os internautas.

    A adoção de regras de proteção da neutralidade da rede tornou mais difíceis as práticas de gestão discriminatória do tráfego e estimulou a procura de outras estratégias para as operadoras verticalmente integradas maximizarem os próprios lucros. Particularmente, quando se tornou impossível bloquear ou degradar os aplicativos concorrentes e priorizar os próprios parceiros, começou a surgir a ideia de combinar franquias limitadas e aplicativos subsidiados, ideia que levou às práticas de zero rating. Neste sentido, as práticas de zero rating consistem em uma discriminação de preços para serviços diferentes, permitindo que uma operadora subsidie o acesso do usuário a aplicativos por ela selecionados.

    O fato de a combinação de franquias limitadas e de serviços patrocinados ser uma estratégia volta a contornar as regras de neutralidade emergiu muito claramente desde 2013, na Alemanha, onde a operadora Deutsche Telekom tentou definir franquias muito limitadas nas redes fixas e isentar os próprios serviços patrocinados de IPTV do limite de download. Todavia, tais planos foram considerados anticoncorrenciais e a operadora optou por definir franquias muito maiores e não patrocinar serviços.

    É importante ressaltar que as práticas de zero rating só existem quando a operadora define uma franquia limitada, que torne o subsídio de serviços interessante para o usuário. Assim, na ausência de franquias limitadas o zero rating não representa uma vantagem para o consumidor porque todos os serviços podem ser acessados livremente e o único critério de seleção dos aplicativos será a qualidade, e não o subsídio de acesso ao serviço. Como sublinhei nesse artigo, a combinação de franquias de dados e esquemas de zero rating estimulam um círculo vicioso de escassez artificial, porque somente com a existência de franquias limitadas o zero rating pode funcionar. Então para tornar as práticas de zero rating palatáveis, as franquias devem permanecer o mais limitadas quanto possível.

    Assim, além de comprometer o cumprimento da neutralidade da rede, a introdução do zero rating é também suscetível de determinar um aumento do preço da Internet aberta. Em particular, operadoras verticalmente integradas podem ter um forte incentivo para manter as franquias artificialmente baixas e o preço do gigabyte artificialmente elevado, a fim de orientar as preferências dos usuários para os serviços afiliados, que são subsidiados através do zero rating.

    Como foi apontado por relatório da Rewheel, já em 2014 as ofertas de zero rating eram presentes em mais de 80% dos países da UE e da OECD e a introdução de tais ofertas tem gerado “aumentos consideráveis do preço do uso da internet móvel” entre os operadores que introduziram as práticas. Tal tendência é confirmada por dados relativos a 2015 e a 2016, de acordo com os quais, na UE e nos países da OECD, operadores que praticam as estratégias de zero rating vendem 50% menos de acesso à Internet aberta do que as operadoras que não praticam tais estratégias. Por outro lado, a proibição do zero rating estimula as operadoras a aumentar o volume das franquias de dados, como demonstra o exemplo dos Países Baixos, onde, uma semana após a autoridade dos consumidores e dos mercados banir o zero rating, o principal operador holandês, KPN, decidiu dobrar o volume de suas franquias de dados móveis, a fim de permitir “o uso livre” da Internet, como apontou o CEO da KPN.

    O arcabouço regulatório brasileiro e a decisão do CADE

    As práticas de zero rating já existem no mercado brasileiro desde 2014 e, portanto, a decisão do CADE não pode ser analisada sem uma prévia digressão sobre o status da neutralidade da rede e a permissibilidade do zero rating, de acordo com o Marco Civil da Internet (MCI) e com o Decreto nº 8.771, de 11 de maio de 2016 (Decreto).

    O artigo 3º do MCI reconhece explicitamente a neutralidade da rede como um dos princípios que disciplinam o uso da Internet no Brasil e consagra “a liberdade dos modelos de negócios”, com a condição de que sejam respeitados os “outros princípios estabelecidos nesta lei”, tais como o princípio de neutralidade. O MCI torna o respeito deste princípio uma obrigação do provedor de acesso à Internet, afirmando no artigo 9° – Da Neutralidade da Rede – que:
     

    O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.


    Conforme tais considerações, o Decreto nº 8.771/2016 foi elaborado para fornecer indicações mais sólidas a respeito das circunstâncias em relação às quais os modelos de zero rating devem ser considerados (in)compatíveis com a proteção da neutralidade da rede. Assim, o artigo 9º do Decreto proíbe todas as práticas que:
     

    I - comprometam o caráter público e irrestrito do acesso à internet e os fundamentos, os princípios e os objetivos do uso da internet no País;
    II - priorizem pacotes de dados em razão de arranjos comerciais; ou
    III - privilegiem aplicações ofertadas pelo próprio responsável pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento ou por empresas integrantes de seu grupo econômico.


    Nesse contexto regulatório, a denúncia apresentada ao CADE, originada a partir de Representação do Ministério Público Federal, alegava que as empresas representadas, ou seja Claro, Oi, TIM Brasil e Telefônica Brasil,
     

    “que controlam quase a totalidade do mercado em questão -, estariam supostamente adotando práticas comerciais discriminatórias no provimento do serviço de acesso à Internet móvel, ao ofertar a seus usuários planos de dados que diferenciam as condições de acesso a determinados serviços de Internet, por meio da cobrança de valores reduzidos ou mesmo da isenção total de cobrança. Neste último caso – modelo caracterizado como “zero rating”-, os usuários não pagariam às operadoras para acessar determinados conteúdos ou aplicações, como as de redes sociais. Em outro modelo, denominado "acesso patrocinado", o detentor da aplicação supostamente remunera a prestadora pelo tráfego de dados gerado por seus usuários. Exemplificando, o Representante menciona que a Claro teria lançado uma oferta que permitiria aos contratantes navegar na Internet, de forma gratuita e ilimitada, sem desconto no pacote ou franquia de Internet adquirida, ao acessar exclusivamente às redes sociais Facebook, Twitter e WhatsApp. Assim, o pacote de dados ou franquia de Internet contratada seria consumido normalmente com outros acessos não contemplados neste plano.” [ênfase do autor]


    A fundamental incompreensão sobre o funcionamento da Internet, que explica por que o CADE considerou as mencionadas práticas como compatíveis com a neutralidade, é particularmente visível nesse parágrafo. Assim, parece curioso que o conceito de navegação ilimitada da Internet possa ser associado ao mero uso de três aplicativos. O primeiro conceito implica a falta de limites na escolha e na possibilidade de gerar e compartilhar qualquer conteúdo, aplicativo ou serviço. O segundo, implica o acesso a três serviços proprietários baseados em um número limitado de protocolos. A associação das duas situações é um erro conceitual flagrante e essa confusão na consideração do que deve se entender com a navegação ilimitada da Internet vicia o inteiro raciocínio do CADE.

    O legislador brasileiro, ao aprovar o artigo 9° do Marco Civil, adotou o entendimento de que, na ausência de práticas discriminatórias, os usuários de Internet poderiam, em primeiro lugar, continuar a se beneficiar de uma liberdade de escolha que seja orientada para a preferência dos serviços mais eficientes, de qualidade mais elevada e mais compatíveis com suas necessidades e, em segundo lugar, compartilhar produtos inovadores – tais como novos aplicativos – competindo com os players existentes, em uma Internet na qual, como destaca o artigo 2º do MCI, a pluralidade e a diversidade, a abertura e a colaboração, a livre iniciativa e a livre concorrência são pilares fundamentais.

    Ao subsidiar uns aplicativos e criar uma taxa – ou seja a consumação da franquia – para acessar o outros, as práticas de zero rating podem transformar a natureza da Internet de uma rede de propósito geral, cujas modalidades de utilização são definidas autonomamente por cada usuário, em uma rede cujos propósitos são estabelecidos de maneira centralizada pelas operadoras. Tal evolução limitaria a experiência de Internet dos usuários, desincentivando-os a se aventurar além dos serviços que lhes são fornecidos gratuitamente, e limitaria enormemente a capacidade de criar e difundir novos aplicativos e de introduzir novos competidores no mercado. Claramente, esse cenário é oposto ao que o princípio de neutralidade visa promover.

    Na Internet, que é uma rede naturalmente neutra e aberta à concorrência, é possível desenvolver um aplicativo muito mais eficiente e palatável que o Facebook, Twiter ou Whatsapp, e compartilhá-lo livremente, sem necessidade de realizar um acordo com a operadora para que o acesso seja subsidiado. É a criatividade e a qualidade do produto que permite a vitória na competição, e não o acordo de patrocínio.

    Além disso, a equação do CADE da navegação irrestrita de Internet com o acesso a três serviços não considera, evidentemente, um ponto crucial. Se cada operadora escolher os seus três serviços favoritos, os usuários de Internet – naturalmente livres para escolher e concorrer – se transformam gradualmente em usuários de serviços predefinidos pelas operadoras. Se cada operadora escolher serviços diferentes, tais politicas estimulariam o fenômeno de fragmentação da Internet, induzindo particularmente os usuários com capacidade econômica mais limitada a navegar exclusivamente no interior dos serviços subsidiados.

    Tal cenário poderia ser talvez bom para quem coleta e monetiza os dados pessoais dos usuários, mas é evidentemente a antítese da abertura e da pluralidade. No caso em que todas as operadoras subsidiem o acesso a três serviços dominantes, parece evidente que a posição preponderante desses serviços pode somente se consolidar, com evidente prejuízo da concorrência.

    A missão do CADE é zelar pela livre concorrência no Mercado. Mas como pode um serviço como Skype, Viber, ou Snapchat, ou qualquer outro novo aplicativo desenvolvido por um empreendedor brasileiro concorrer com os três serviços "zero-rated” sabendo que o acesso aos três serviços dominantes é subsidiado e o acesso a todos os outros é pago? O Telegram, por exemplo, apesar de ser excluído dos planos de zero rating, sobrevive no mercado por causa da excelente plataforma Desktop que, além de permitir o uso de computador fixo, oferece funcionalidades particularmente apreciadas pelos usuários, como a possibilidade de criar novos stickers.

    E como poderia a percentagem da população que acessa à Internet somente através de conexão móvel – por falta de infraestrutura ou de capacidade financeira, como acontece com 32% da Região Norte – escolher o melhor aplicativo no mercado, por exemplo o Telegram, ao invés de ser de fato obrigada a utilizar os três serviços? E como poderia, eventualmente, um empreendedor brasileiro desenvolver um aplicativo com funcionalidades ainda melhores do que Whatsapp ou do que o Telegram e concorrer no segmento?

    Seguindo as manifestações da Anatel, segundo a qual o zero rating “tem racionalidade econômica e gera, inegavelmente, perceptível bem estar via excedente do consumidor e do produtor”, o CADE resolveu considerar que o zero rating não deve haver ser proibido ex ante. Todavia, mesmo concordando com a evidente existência de racionalidade econômica do zero rating, como destacado pela Anatel, este raciocínio é viciado por duas razões.

    Primeiramente, o bem-estar aumenta somente porque existem franquias móveis limitadas, mas tais franquias não têm nenhuma justificação técnica. Assim, se existe banda passante suficiente para baixar e carregar vídeos e fotografias de alta resolução no Facebook à vontade, quando este aplicativo é incluído no âmbito do zero rating, parece inexplicável que a mesma banda passante tenha que ser franqueada por razoes de escassez. Ao contrário, a razão que parece mais plausível é a vontade de transformar os usuários de Internet em meros usuários de serviços predefinidos.

    Em segundo lugar, a interpretação da Anatel, como a do CADE, baseia-se na equivalência do uso de alguns serviços predefinidos com o uso da Internet. As práticas de zero rating aumentam o bem-estar do consumidor dos serviços incluídos nos planos de zero rating, bem como dos provedores desses serviços. Eles não aumentam o bem-estar do consumidor de acesso à Internet, cuja escolha é dramaticamente reduzida, nem dos provedores de serviços excluídos do zero rating.

    O raciocínio da Anatel implica a consideração – falaciosa – de que promover a utilização de três serviços dominantes seja equivalente aos objetivos fundamentais da disciplina da Internet no Brasil, definidos pelo art. 4º do MCI ou seja a promoção:

     

    I - do direito de acesso à internet a todos; [...]
    III - da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso; e
    IV - da adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a comunicação, a acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicações e bases de dados. [ênfase do autor]


    O que o CADE deveria ter considerado

    À luz das considerações expostas acima, parece pelo menos curioso que o CADE tenha considerado o zero rating não somente como compatível com a proteção da concorrência, mas também como absolutamente compatível com o princípio da neutralidade da rede.

    Sem necessidade de proibir in toto o zero rating, o CADE poderia ter adotado uma solução mais equilibrada, inspirando-se nas diretrizes do Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrônicas (BEREC), que esclarecem que:

     

    41. Uma oferta de zero rating em que todos os aplicativos são bloqueados (ou degradados) uma vez que o limite de dados é atingido, exceto para o(s) aplicativo(s) subsidiados, violaria a neutralidade da rede [...]
     

    Além disso, as diretrizes evidenciam a existência de práticas de zero rating com efeitos anticoncorrenciais, apontando que tais práticas deveriam ser evitadas. Nomeadamente, o BEREC afirma que:


    42. O provedor de acesso pode aplicar ou oferecer zero rating para toda uma categoria de aplicativos (por exemplo, todos os aplicativos de vídeo ou de transmissão de música) ou apenas para determinadas aplicações (por exemplo, seus próprios serviços, um aplicativo de mídia social específico, o vídeo ou música mais popular aplicativos). No último caso, um usuário final não está impedido de usar outras aplicações de música. No entanto, a ausência de preço aplicada ao tráfego de dados da aplicação de música com zero rating (e o fato de que o tráfego de dados da aplicação de música com zero rating não seja incluído nas franquias de dados do provedor) cria um incentivo econômico para que o usuário use essa aplicação de música em vez dos concorrentes. Os efeitos da prática do zero rating aplicada a uma aplicação específica são mais susceptíveis de “prejudicar a essência dos direitos dos usuários finais” ou levar a circunstâncias em que “a escolha dos usuários finais seja materialmente reduzida na prática” do que quando o zero rating é aplicado a uma categoria completa de aplicativos. [ênfase do autor]


    Neste sentido, para manter a livre concorrência no mercado, as operadoras que implementam o zero rating deveriam subsidiar a classe inteira de aplicativos. Ao contrário, a decisão do CADE permite a continuação do status quo, no qual somente alguns serviços dominantes são subsidiados e a maioria dos provedores de aplicativos e de conteúdo da Internet não têm capacidade financeira ou o poder de barganha para serem incluídos nos estratagemas de zero rating.

    Assim, a inclusão em planos de zero rating permanece reservada aos maiores players do mercado e aos aplicativos verticalmente integrados com as operadoras, como o TIM Music, Oi Musica, ou Claro Vídeos Curtas, não obstante a explícita proibição dessa última prática pelo art. 9º, inciso III do Decreto.

    Tragicamente, um usuário de Internet é capaz de escolher os serviços que quiser e de criar e compartilhar novos serviços competitivos, é um risco para os atores dominantes. Ao contrário, um usuário domesticado, cuja atenção e cujos dados pessoais sejam concentrados e monetizados para poucos serviços, é muito mais valioso. Essa é a principal razão pela qual os estratagemas de zero rating são tão difundidos.

    Infelizmente, o CADE perdeu uma oportunidade para interromper um círculo vicioso, destinado a exacerbar a concentração de poder e a dominância de mercado.