Direito ao esquecimento e notícia desabonadora

Data do Julgamento:
07/10/2015

Data da Publicação:
26/10/2015

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ

Tipo de recurso/Ação: Apelação Cível

Número do Processo (Original/CNJ): 0043625-70.2011.8.19.0042

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Desª Myriam Medeiros da Fonseca Costa

Câmara/Turma: 4ª Câmara Cível

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 7º, II.

Ementa:

"APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. LESÃO A DIREITO DA PERSONALIDADE. AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. VEICULAÇÃO DE NOTÍCIA DESABONADORA ATRELADA À IMAGEM DOS AUTORES. PRETENSÃO QUE, ALÉM DA COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS, TEM POR ESCOPO DE EVITAR A ASSOCIAÇÃO DO NOME DOS DEMANDANTES ÀS NOTÍCIAS QUE ENVOLVAM SUPOSTAS FRAUDES NA EMISSÃO DE CARTEIRAS FALSAS DE JUIZ POR TRIBUNAL ARBITRAL E, AINDA, EM RELAÇÃO AO DENOMINADO “GOLPE DO EMPREGO NA PETROBRAS”, DE ACORDO COM O QUAL O PRIMEIRO AUTOR PROMETIA SALÁRIO DE R$ 1,5 MIL, COBRAVA R$ 30,00 PARA DAR UMA PALESTRA E MANDAVA OS CANDIDATOS ESPERAREM EM CASA ATÉ CONVOCAÇÃO DA EMPRESA, A QUAL JAMAIS OCORRERIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO QUE MERECE REFORMA, SOB ENFOQUE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO.
1- HIPÓTESE QUE POSSUI ASSENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL, CONSIDERANDO QUE É UMA CONSEQUÊNCIA DO DIREITO À VIDA PRIVADA (PRIVACIDADE), INTIMIDADE E HONRA, ASSEGURADOS PELO ART. 5º, V E X DA CF E PELO ART. 21 DO CC, SENDO INCLUSIVE PREVISTA NO MARCO CIVIL DA INTERNET (ART. 7º, I DA LEI Nº 12.965/2014), COM REFLEXOS NO TOCANTE À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 1º, III, DA CF; EN. DOUTRINÁRIO 531 DA IV JORNADA DE DIREITO CIVIL DO CJF).
2- MATÉRIAS JORNALÍSTICAS, AINDA DIVULGADAS NOS SITES VINCULADOS AO SISTEMA GLOBO DE COMUNICAÇÕES, QUE POSSUEM ESTRITO CUNHO INFORMATIVO, SEM QUALQUER INTENÇÃO DE DIFAMAR OS ENVOLVIDOS, RETRATANDO INVESTIGAÇÃO DEFLAGRADA PELA POLÍCIA FEDERAL, QUE REDUNDOU EM DENÚNCIA EM RAZÃO DOS ILÍCITOS PENAIS, EM TESE, PRATICADOS, DOS QUAIS, POSTERIORMENTE, FORAM ABSOLVIDOS (ART. 386, III DO CPP).
3- LOGO, EMBORA NÃO SE COGITE DE ABUSO DO DIREITO DE INFORMAR (ART. 220 CF C/C 187 DO CC) E, COM ISSO, AFASTE-SE A PRETENSÃO LESÃO POR DANOS MORAIS (ART. 5º, X DA CF C/C 17 DO CC), SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO AO ESQUECIMENTO, PROSPERA O INCONFORMISMO DOS RECORRENTES, HAJA VISTA A INEXISTÊNCIA DE INTERESSE PELA HISTORICIDADE DO FATO.
4- AUTORES ABSOLVIDOS DA PRÁTICA DOS ILÍCITOS PENAIS QUE LHES FORAM IMPUTADOS. DAÍ SER LEGÍTIMO O DIREITO DE NÃO SER LEMBRADO CONTRA SUA VONTADE, ESPECIFICAMENTE NO TOCANTE A FATOS DESABONADORES, DE NATUREZA CRIMINAL, NOS QUAIS SE ENVOLVERAM, MAS QUE, POSTERIORMENTE, FORAM INOCENTADOS.
5- ASSIM, EMBORA NÃO SEJA POSSÍVEL DESVINCULAR O NOME DO PRIMEIRO AUTOR DAQUELES FATOS, POIS PULVERIZADOS EM SITES NÃO VINCULADOS AO SISTEMA GLOBO DE COMUNICAÇÃO (ART. 472 DO CPC), É, AO MENOS VIÁVEL, TAL EXCLUSÃO DOS SÍTIOS MANTIDOS OU DIVULGADOS PELA APELADA DE QUALQUER NOTÍCIA OU RELATO QUE OS VINCULE AOS EPISÓDIOS REFERIDOS NA INICIAL, DE CUJOS CRIMES FORAM ABSOLVIDOS, FIXANDO- SE, PARA TANTO, O PRAZO DE CINCO DIAS, APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA DE R$ 10 MIL (ART. 461, §4º DO CPC C/C SÚMULA Nº 410 DO STJ).
RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO."

  • Rafael Pellon
    Rafael Pellon em 04/04/2017

    O caso levado à apreciação do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro buscou dois objetivos: a indenização aos autores por danos morais e a cominação de uma obrigação de fazer ao veículo de comunicação (exclusão das notícias).

    Na base de toda a situação, estão os fatos: a veiculação de notícia que atribuía aos autores a autoria de crimes – dos quais foram posteriormente absolvidos.

    De acordo com os autores, a publicação das notícias sobre fatos que, posteriormente, foram provados como não existentes lhes causava danos às suas respectivas imagens.

    O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu que apenas uma parte dos pedidos mereciam ser acolhidos. Dessa forma, o pedido por indenização foi negado e o pedido relativo à obrigação de fazer foi concedido.

    Para se entender as razões utilizadas pelo Tribunal, os fatos devem ser divididos em dois momentos: um primeiro situando-se no passado e um segundo situando-se no presente e no futuro.

    Em relação ao momento passado, quando ocorreu o suposto crime, bem como a publicação das notícias, o Tribunal entendeu que o réu, enquanto empresa que atua no meio jornalístico, apenas divulgou os fatos, estando amparada pela proteção constitucional da liberdade à imprensa.

    Verificando-se que, sem dúvidas, houve a instauração de um inquérito policial – que culminou na denúncia dos autores à Justiça – e tendo a ré se limitado a informar tais fatos, a ré teria agido dentro dos limites de seus direitos.

    Assim, concluiu-se não ter havido excesso pela imprensa, razão pela qual não foi condenada a indenizar os autores.

    De maneira diferente, o segundo momento (presente e futuro) se relaciona ao período posterior à conclusão judicial sobre os fatos ocorridos no passado. Os autores têm interesse que a vinculação de suas imagens aos crimes declarados inexistentes não se perpetue no tempo. Dessa forma invocaram o “direito de serem esquecidos” ou “direito de não serem lembrados” do fato de que sofreram aquelas investigações e consequente persecução penal.

    Manter as notícias no ar atrelaria, permanentemente, a imagem dos autores ao cometimento de um crime que foi considerado inexistente. Ocorre que o ordenamento jurídico brasileiro não prevê expressamente o direito ao esquecimento como estabelece, por exemplo, o direito à liberdade de manifestação do pensamento (liberdade de expressão, art. 5º, inciso IV da Constituição Federal), ou o direito de resposta (art. 5º, inciso V, da Constituição Federal).

    Em razão dessa inexistência de comando legal específico, os julgadores firmaram seu entendimento com base em outros institutos já existentes no Direito brasileiro.

    Primeiramente, estaria a relação dos fatos com o interesse da população. Enquanto no passado havia o interesse público em razão da possível existência de um crime, a suposta conduta ilícita se mostrou inexistente –tanto que os autores foram absolvidos na ação criminal. A conclusão do processo penal decidindo pela não ocorrência do crime, acaba por esvair esse interesse popular, razão pela qual a manutenção das reportagens com a finalidade informativa perderia o sentido.

    Ainda, manter tais informações no site da ré poderia lhes causar grande lesão (especialmente às suas imagens). Baseando-se na proteção (inclusive constitucional) aos direitos à honra, à imagem, à intimidade e à privacidade, portanto, o Tribunal decidiu pela possibilidade, no ordenamento juridico nacional, de aplicação do “direito ao esquecimento”, julgando procedente o pedido dos autores de “serem esquecidos”.

    O direito ao esquecimento toma status mais relevante especialmente com a propagação da internet. A indexação permite que fatos, locais, datas (e quaisquer outras informações) sejam facilmente identificadas e atreladas a pessoas.

    Tem-se aumentado, então, o risco da superexposição não autorizada e/ou não desejada. Não havendo comando legal específico acerca do tema, cabe ao Poder Judiciário sopesar o direito à informação e à liberdade de imprensa versus o direito à imagem, honra, intimidade e privacidade. Dessa forma, a discussão transcende à seara jurídica dos princípios jurídicos e a uma discussão ainda mais profunda acerca de colisão de princípios e garantias fundamentais.

    Cabe ao julgador, então, decidir sob uma linha tênue (numa faixa quase cinzenta) sobre quando um deve prevalecer sobre o outro. O grande cuidado que o julgador deve adotar – sendo inclusive a crítica ao presente julgado – é de não se buscar reescrever ou apagar o passado.

    O “direito ao esquecimento” não trata (ou pelo menos não deveria tratar) de uma imposição jurídica para que todos se olvidem de uma passagem específica do passado. Os fatos acontecidos não podem ser desfeitos e não cabe ao Direito alterá-los.

    Cumpre ao Direito, contudo, socorrer àqueles que não desejam ser lembrados – de forma constante e/ou inoportuna – daquilo que tenha ocorrido e que deseja deixar para trás.

    No caso em comento, então, não caberia ao Tribunal determinar a exclusão das notícias dos servidores da ré – por se tratar de um claro atentado à imutabilidade do passado e uma tentativa “apagá-lo”, mas a determinação de medidas que mitigassem a superexposição dos autores (por exemplo, a exclusão da indexação dos nomes dos autores em mecanismos de busca relativamente a esse fato específico).

    Na tentativa de regular o tema, há diversos projetos de lei em trâmite na Câmara dos Deputados (PL 1676/2015, PL 5203/2016, PL 7881/2014 e PL 2712/2015), que propõem a possibilidade desde a simples medida de tornar indisponível conteúdo semelhante a outro que já tenha sido objeto de determinação judicial de exclusão, até mesmo a obrigação de remover “links dos mecanismos de busca da internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados, por iniciativa de qualquer cidadão”.

    Há, também, recurso pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal que teve reconhecida a repercussão geral – cuja decisão orientará as instâncias inferiores em casos idênticos.

    Até o presente momento, contudo, não há qualquer definição, seja quanto aos projetos de lei, seja em relação ao recurso apresentado ao STF, razão pela qual a matéria continuará, pelo menos por enquanto, a ser decidida caso a caso.