Direito ao esquecimento e sites de buscas

Data do Julgamento:
07/10/2015

Data da Publicação:
14/10/2015

Tribunal ou Vara: 5ª Vara Cível Central - São Paulo - SP

Tipo de recurso/Ação: Ação de obrigação de fazer c/c danos morais e pedido liminar

Número do Processo (Original/CNJ): 1013430-56.2015.8.26.0008

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Juíza Ana Carolina Vaz Pacheco de Castro

Câmara/Turma: -

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 19.

Ementa:

"Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c danos morais e pedido liminar, alegando o autor que em 1999 fora investigado e denunciado em processo crime denominado pela mídia como "Máfia dos Fiscais", mas já teve extinta sua punibilidade em decorrência da prescrição da pretensão punitiva. Diz que através de pesquisas realizadas em seu nome nos sites de busca das rés "Google,", "Bing" e "Yahoo", existem diversos resultados vinculando-o às matérias jornalísticas publicadas na época e ao aludido fato pretérito, o que vem lhe causando sérios inconvenientes nos âmbitos pessoal, profissional e familiar. Afirma que apesar de notificadas, as rés se negaram a suspender a veiculação. (...)

Deve-se prestigiar, no presente caso, o direito ao esquecimento (Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil sobre o art. 11 do Código), que visa a proteger, precipuamente, a dignidade da pessoa humana na sociedade da informação, em detrimento à liberdade de informação, uma vez que não se vislumbra interesse público na permanência da notícia nos sites de busca das rés (...)"

  • Mauro Leonardo Cunha
    Mauro Leonardo Cunha em 01/05/2016

    Tratam estas notas de decisão que reconhece direito ao esquecimento e cita o Art. 19 do MCI. Importante notar que não houve condenação, tendo ocorrido mera acusação. Houve ampla cobertura da imprensa e o acusado, mesmo após precluso o crime, continua identificado por publicações sempre-correntes, já que tal é a natureza da indexação por motores de busca.

    O direito ao esquecimento vem tendo acolhida cada vez mais ampla no direito pátrio. O nome pode parecer absurdo. Por senso histórico tudo o que a sociedade brasileira precisa é de mais memória, mais cultura de memória. Como se justifica não só o acatamento como a contínua ampliação do reconhecimento de um direito que se baseia na obrigatoriedade do deixar esquecer?

    Na verdade, trata-se do dever que têm os provedores de conteúdo de não criar mediante o exercício de sua atividade um peso desproporcional a indivíduos cujo direito à imagem está em risco. O presente constante produzido pelo tempo real pode, muito mais que o já antigo ao vivo. O tempo real é, note-se, tudo menos real: ele funciona pela apresentação de todos os tempos como presentes. Para isto contribuem sobremaneira os grandes indexadores do ciberespaço que são precisamente os motores de busca.

    A maioria sobretudo dos que navegam a web faz acesso a um motor de busca antes de chegar a qualquer sítio. Para a grande maioria dos motores de busca o tempo não passa, ou, se passa, passa muito lentamente. Com os termos de busca adequados vinte anos atrás parecem vinte minutos atrás. Uma exposição da juventude pode assombrar um idoso muito mais que em qualquer outra fase da existência das sociedades humanas. Já dentro dos aplicativos faz-se também uso dos motores de busca e, muitas vezes de forma que o utente nem mesmo se possa aperceber dos mecanismos de recuperação de dados envolvidos no processo de seleção da informação para o seu destinatário final.

    O direito ao esquecimento portanto tem natureza de recomposição da dinâmica social ao statvs qvo ante do surgimento da internet. A justificativa é que a dinâmica social humana tem evoluído desde o surgimento da escrita, seguindo-se a grandes adaptações com o surgimento da imprensa, mais adaptações ainda à idade da editoração digital – que se principia ainda antes da internet. Mas em tão pouco tempo as sociedades ainda não conseguiram se adaptar à hiper-permanência da informação; e talvez nem devam. Nossos idiomas, nossas formas de sentir e pensar precisam de um tempo que passa muito mais do que de um tempo que fica. O passado precisa deixar de ser presente para poder se tornar efetivamente passado. E só para o passado somos capazes de olhar com consciência histórica.

    Começamos dizendo que o direito ao esquecimento é fruto de uma necessidade de reequilíbrio da dinâmica social. Daí porque a volta ao statvs qvo ante. Mas, conforme se vai desenvolvendo esta nota vai ficando claro que a sociedade precisa ter direito à história. A sociedade precisa constituir seu passado. E, neste sentido, pugno para que a sociedade como um todo seja detentora do direito ao esquecimento, que eu prefiro chamar pelo nome de direito à construção do passado. Neste sentido precisamos reconhecê-lo como um direito difuso. É importante também que a atenção da sociedade esteja dirigida aos fatos da esfera pública.

    Daí porque o direito ao esquecimento – ou à construção do passado – precisa ser entendido como o limite entre a presença limitada ao presente de uma dada informação na esfera pública. A decisão deixa claro também que há matérias e pessoas que são e serão sempre sujeitos da esfera pública. A esses essa passagem ao esquecimento será, se prosperar a lógica do decisvm, simplesmente negada.

    Depois do tempo adequado – não sendo daquelas que iminentemente pertencem à esfera pública – a informação sobre a qual incide o direito ao esquecimento precisa deixar de estar presente na esfera pública para passar a estar presente meramente na esfera privada. É por esta passagem da esfera pública para a esfera privada que a informação se torna passada. Em tempos de presente sempiterno imposto pelo tempo dito real, o passado é construído mediante decisões. Só passa o que decidimos como sociedade. E só o que passa, só o que deixa a esfera pública do tempo real, pode se tornar este novo passado. E, com mais um pouco de distanciamento, este novo passado poderá se tornar – também por decisões proativas – parte da história.

    Em tempos de explosão tanto da quantidade quanto da persistência da informação, termos um passado à nossa mão será sempre resultado de um constructo social determinado. E o direito tem parte nisto.

    Voltemos agora à questão do tempo adequado. Qual é o tempo adequado ao esquecimento? Por quanto tempo a sociedade deve querer lembrar? Eis o que de mais interessante traz a decisão comentada: o tempo da pena é relevante para a aferição pelo magistrado do tempo adequado à imposição do dever de permitir esquecer.

    Não, a desindexação não faz esquecer imediatamente. Ela não é uma caneta mágica na mão direita de um dos homens de preto. Ela apenas abre a oportunidade para que, a partir de seu advento, possa a sociedade passar a naturalmente esquecer, como fazia antes de surgirem os motores de busca e o seu macabro presente invencível, chamado por marketing de tempo real. Se é real é das coisas, e não dos seres humanos, menos ainda das instituições. Não somos máquinas, dependemos do esquecimento para a cura, para o perdão, para a análise; e até mesmo dependemos da oportunidade de esquecer para percebermos o que nos será naturalmente memorável, quiçá inesquecível.

    No caso concreto o sujeito ativo do pedido nem mesmo fora condenado. O Estado já lhe falhara não se desincumbindo do seu dever jurídico maior que é o liquet. O Estado lhe devia uma decisão. Ficou devedor. Mas mesmo diante dos condenados que cumpriram a pena há uma necessidade de imaginar uma possibilidade de reabilitação social. E, sim, imaginemos que as vítimas têm ainda mais direito a que seus casos célebres possam passar a ser meramente parte de suas vidas privadas. No tempo, mais uma vez a decisão é feliz quando prevê indiretamente que um pouco antes de completada a pena já deve se reconhecer o direito ao esquecimento. O termo usado foi “quase cumprida”.

    É, caros leitores, o esquecimento é quiçá a função mais importante de uma memória saudável. Que o direito brasileiro possa continuar a fornecer à sociedade do País os elementos para que ela possa ter uma memória forte.