Pessoa pública e mero aborrecimento

Data do Julgamento:
04/07/2018

Data da Publicação:
13/07/2018

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP

Tipo de recurso/Ação: Apelação Cível

Número do Processo (Original/CNJ): 1026719-03.2017.8.26.0100 e 2073409-82.2017.8.26.0000

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Des. Salles Rossi

Câmara/Turma: 8ª Câmara de Direito Privado

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 13, § 5º; artigo 15, § 3º; artigo 19; artigo 22; e artigo 13 do Decreto 8.771/16

Ementa:

"EMENTA - REQUISIÇÃO JUDICIAL DE REGISTROS C/C PEDIDO DE EXCLUSÃO DE CONTEÚDO PUBLICADO NA REDE SOCIAL - Improcedência - Pretensão de que a ré remova os comentários ofensivos ao autor publicados na rede social “Facebook”; forneça os endereços de IP's (Internet Protocol) utilizados pelos 13 perfis e os respectivos dados cadastrais; informe quais os provedores de conexão responsáveis pelos endereços IP's; expedição de ofícios aos provedores de conexão indicados pela ré, para que eles forneçam os dados pessoais dos mencionados perfis - Concessão parcial dos efeitos da tutela recursal para compelir a ré à obrigação de fazer consistente na remoção das agressões verbais indicadas - Insurgência do autor acolhida em parte - Dever da ré de informar os dados cadastrais e os endereços de IP's dos perfis indicados pelo autor para fins de identificação dos ofensores - Provedores de conteúdo na internet que devem manter meios de identificação de seus usuários (Lei nº 12.965 de 23 de abril 2014 - Marco Civil da Internet) - Precedentes do C. STJ - Descabida a pretensão de indicação dos provedores de conexão dos responsáveis por cada IP, pois uma vez fornecido o endereço de "IP" será possível ao autor saber qual o provedor de conexão foi utilizado Expedição de ofício aos provedores de conexão que deverá ser requerida pelo autor em sede de cumprimento de sentença, momento em que terá as informações para fins de conhecimento dos provedores Confirmação da antecipação parcial dos efeitos da tutela recursal - Sentença reformada em parte - Sucumbência parcial - Recurso parcialmente provido."

  • Rafael Pellon
    Rafael Pellon em 07/08/2017

    No caso em tela o artista Danilo Gentili ajuizou ação contra o Facebook, pedindo que o Poder Judiciário do Estado de São Paulo que determinasse à rede social o fornecimento de informações de usuários que teriam inseridos comentários considerados ofensivos em postagens na fanpage que o canal de TV Comedy Central mantém no Facebook. O canal pago anunciou em uma postagem o início da veiculação do programa de entrevistas “The Noite com Danilo Gentili”, o que gerou diversas reações entre os seguidores da rede televisiva na rede social.

    De modo a buscar a rápida identificação dos usuários que considerou como “ofensores”, bem como a imediata indisponibilização do conteúdo, Danilo Gentili requereu, em sede de antecipação dos efeitos da tutela que o Facebook fosse determinado a (i) fornecer os dados dos treze perfis dos supostos ofensores e (ii) suspendesse o conteúdo dos comentários indicados pelo apresentador. A primeira manifestação da magistrada (decidindo sobre o pedido que requeria a antecipação dos efeitos da tutela) foi pela não concessão da mencionada antecipação por não haver, em sua compreensão, qualquer possível lesão ao autor. Por essa razão, Gentili interpôs recurso ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (agravo de instrumento), pleiteando aos desembargadores a reforma da decisão preliminar da juíza de primeiro grau.

    O Tribunal entendeu que o recurso merecia acolhimento apenas parcial, e determinou que a rede social suspendesse a exibição dos comentários reputados ofensivos. Nesse momento, o Facebook apresentou argumentação alegando não se opor a atender tal medida, sendo, contudo, necessário que o autor fornecesse as URL’s específicas de cada comentário, nos termos do próprio artigo 19, parágrafo primeiro do Marco Civil.

    Paralelamente, no primeiro grau de jurisdição, o Facebook Brasil apresentou sua defesa que, de forma resumida, indica que (i) a Facebook Brasil não possui ingerência sobre a plataforma “Facebook”; (ii) é necessária a apresentação da URL de cada comentário, nos termos do Marco Civil da Internet; e que (iii) a plataforma está impossibilitada de fornecer outras informações que não o IP de cada usuário, por não deter tais dados.

    Adveio, então, sentença que afastou todos os pedidos de Gentili. Na fundamentação da decisão, a magistrada pugnou que a legislação brasileira protege tanto a liberdade de manifestação e de expressão quanto o direito à proteção da intimidade e da honra, bem como resguarda o direito de resposta proporcional do ofendido de que este busque indenização por danos morais que lhe sejam causados. Ainda, a julgadora entendeu que Danilo Gentili, enquanto figura pública, é pessoa sujeita a críticas e, enquanto os comentários se limitassem à atuação profissional do artista, portanto, sem referência à sua vida privada, não haveria qualquer lesão, apenas “meros aborrecimentos”. Seguindo decisões anteriores relacionadas a celebridades, a magistrada julgou que o direito à honra do apresentador não é absoluto frente ao direito de liberdade de expressão dos usuários online no Facebook.

    Já a decisão do Agravo de Instrumento (que afastou a obrigatoriedade de indicação dos links exatos onde se encontravam os comentários) merece apontamento especialmente por contrariar o próprio Marco Civil e ignorar as razões pelas quais a censura a conteúdos deve ser executada de maneira cuidadosa, quase cirúrgica. O parágrafo primeiro do artigo 19 do Marco fora previsto justamente para que se evitasse a retirada de todo um website, rede social ou conteúdo de forma generalizada, prejudicando a toda a comunidade online ao indisponibilizar a íntegra de um serviço online, não só seus frutos podres, além de imiscuir o provedor de aplicações no papel de censor, responsável pela edição dos conteúdos sob sua guarda sem comandos específicos do Judiciário, estando sujeito a erros e responsabilidades daí decorrentes. Esta disposição tampouco é originalmente brasileira, estando presente na legislação europeia, visando preservar o direito à informação aos conteúdos de maneira global e genérica, com o expurgo de eventuais ilícitos sem prejuízos a manutenção das plataformas que os hospedam.

    Por fim, cabe menção ao fato de que a decisão da magistrada ainda está pendente de recurso, podendo, portanto, ser confirmada ou reformada pelas instâncias superiores.